Intolerância religiosa: a difícil realidade dos bahá’ís no Irã

Por Iradj Eghrari
Secretário Nacional de Ações com a Sociedade e o Governo
Comunidade Bahá’í do Brasil

Lideranças presas. Imagem: Baha'i International Community
Desde a Revolução Islâmica no Irã, em 1979, os bahá’ís têm sido sistematicamente perseguidos como política de estado. Durante as primeiras décadas da perseguição, mais de 200 bahá’ís foram mortos ou executados, centenas mais torturados ou aprisionados, e dezenas de milhares perderam seus empregos, acesso à educação, e outros direitos — tudo apenas por sua crença religiosa.

Aprisionamentos

Ataques conduzidos pelo Estado à maior minoria religiosa não-muçulmana foram intensificados na última década. Desde 2005, mais de 700 bahá’ís foram presos, e o número de bahá’ís em prisão passaram de menos de cinco para mais 117 bahá’ís em prisão (com base em dados de 15 de maio de 2015). Todos sob falsas acusações relacionadas somente com suas crenças religiosas. A lista inclui as sete lideranças bahá’ís, que permanecem atualmente em prisão, servindo injustamente a uma sentença de 20 anos por alegadamente “perturbarem segurança nacional”, “espalharem propaganda contra o regime” e “engajarem-se em espionagem”. Entre fevereiro e março do corrente ano, pelo menos 9 bahá’ís foram intimados a cumprir suas sentenças de prisão, por “propaganda contra o regime” e “propaganda em apoio a grupos ou organizações opondo o regime”.
As prisões das 7 lideranças bahá’ís em 2008, cujas sentenças foram anunciadas em 2010 provocaram um clamor internacional e os vinte anos de sentença são as mais longas de qualquer atual prisioneiro de consciência no Irã. A atual lista de prisioneiros inclui ainda oito educadores bahá’ís que foram injustamente aprisionados simplesmente por buscarem prover educação à juventude bahá’í, que tem o seu acesso negado ao sistema universitário no Irã, seja ele público ou privado.

Em 17 de fevereiro último, agentes da Guarda Revolucionária invadiram a casa de um bahá’í, às 19:30h, onde ele e outras cinco pessoas estavam reunidos — incluindo duas pessoas que não eram bahá’ís. Ao serem levados para interrogatório, uma pergunta que se repetia era “você não sabe que o ensino do bahá’ísmo é um crime?”.

Incursões e Aprisionamentos

A constante ameaça de ataques às suas residências, prisões, e detenções ou aprisionamentos está hoje entre os principais aspectos da perseguição aos bahá’ís no Irã. Desde 2005, mais de 710 bahá’ís iranianos foram presos. A maioria das prisões e detenções segue um padrão similar: Agentes do Ministério de Inteligência chegam às casas dos bahá’ís, fazem buscas no local, confiscam itens tais como computadores e livros, e então prendem-nos, quase sempre vendando-lhes os olhos. Por vezes os mandatos de busca e apreensão são ilegíveis e há registros de que em fevereiro de 2015, quando um bahá’í de Isfahan foi levado para interrogatório, o agente fez-se passar por representante do departamento de eletricidade.

Em 11 de agosto de 2014, por exemplo, cinco bahá’ís foram presos em Teerã durante uma incursão a uma ótica. Foram presos os dois proprietários da loja e os três empregados. Um dos proprietários é filho de Jamaloddin Khanjani, uma das sete lideranças bahá’ís que estão atualmente servindo sentença de 20 anos de prisão sob a falsa acusação de espionagem. Os agentes também confiscaram seus computadores e outros aparelhos eletrônicos e levaram uma grande quantidade de bens e produtos de sua loja.

Outros incidentes envolvendo prisão e detenção de bahá’ís em agosto de 2014, inclui quatro bahá’ís em Shiraz que foram levados de suas casas ou do local de trabalho, e até a presente data não há informação sobre seus paradeiros ou situação; outra grave violação aos direitos humanos dos bahá’ís no Irã ocorreu em 27 de julho de 2014, quando um bahá’í em Vilashahr foi preso e espancado após recusar trabalhar num programa computacional secreto para a Guarda Revolucionária.

Houve ainda incursões a 14 lares de bahá’ís na cidade de Abadeh, às 08 horas de 13 de outubro de 2013 por agentes da cidade com agentes do gabinete do Ministério de Inteligência em Shiraz. Fizeram-se buscas nas casas, e livros bahá’ís, CDs, computadores e outros itens, incluindo fotografias, foram confiscados. Os residentes foram levados a interrogatório, durante o qual foi dito a muitos deles que os residentes locais “não gostam de vocês” e que “quando vocês estão nas ruas, eles podem atacar a vocês e seus filhos com facas”. Foram convidados a deixarem a cidade ou enfrentar possivelmente ataques letais dos residentes da cidade. Contudo toda evidência indica que o ódio é instigado pelo estado, já que os residentes de Abadeh têm boas relações com os bahá’ís.

Ataques

Ataques a bahá’ís e suas propriedades seguem sem processo ou punição, criando um senso de impunidade por parte dos atacantes. Desde 2005, por exemplo, ocorreram pelo menos 49 ataques incendiários contra propriedades bahá’ís, crimes pelos quais ninguém foi preso. Durante o mesmo período, 42 incidentes de vandalismo em cemitérios bahá’ís foram registrados.
Em 3 de fevereiro de 2014, três bahá’ís foram esfaqueados em suas casas na cidade de Birjand por um intruso não-identificado. O atacante, que usava uma máscara, entrou na casa de uma família, às 20 horas, atacando o casal e sua filha com uma faca ou objeto afiado. Os três ficaram severamente feridos; e acabaram sendo levados a um hospital local em estado grave.

Uma série de incidentes ocorreu em novembro de 2014: indivíduos não-identificados invadiram a casa de um bahá’í na vila de Amzajerd na província de Hamadan e incendiaram-na. Mobília, papéis e algum dinheiro foram destruídos pela chama, que foi marcada como incêndio culposo pelo departamento de bombeiros, em outro incidente indivíduos não-identificados invadiram a casa de um bahá’í na vila de Owj Pelleh na província de Hamadan. Quebraram janelas, escreveram com graffiti, e tentaram pôr fogo na casa, que estava desocupada no momento.

Mais recentemente, em 2 de janeiro de 2015, a propriedade de um bahá’í foi destruída, a estação de bombeamento de água desmantelada e seis árvores tombaram. Até o momento desconhece-se o resultado do processo jurídico aberto em consequência disso.

Pressão Econômica

Outro tipo de perseguição inclui discriminação econômica e educacional, limites estritos para o direito de reunião e adoração, e a disseminação de propaganda anti-bahá’í por agência noticiosas governamentais. Sabe-se por exemplo, que no mês de março de 2015 foi afixado um poster anti-bahá’í em diversas estações de metrô em Teerã.

A pressão econômica sobre a comunidade bahá’í do Irã é aguda, com empregos e licenças de negócios sendo negados a bahá’ís. Empregos governamentais, incluindo não só serviço civil mas também em campos como educação e direito, têm sido negados aos bahá’ís desde os anos imediatamente após a Revolução de 1979 e muçulmanos são geralmente pressionados a demitir bahá’ís de seus empregos no setor privado.

Em abril uma mercearia foi fechada e lacrada em Mahshahr, um capítulo recente dos ataques a negócios de proprietários bahá’ís. O caso mais emblemático ocorreu a 25 de outubro de 2014: 79 lojas de proprietários bahá’ís em Kerman, Rafsanjan e Jiroft, foram fechados pelas autoridades, num dia em que os proprietários estavam observando um Dia Sagrado Bahá’í. As autoridades colocaram banners — já prontos, o que indica que a ação estava prevista e planejada — nas lojas declarando que os proprietários haviam violado as regras que governam as práticas de negócios e comércio.

O Escritório de Supervisão de Lugares Públicos em Isfahan tem coletado os nomes e endereços de todas as lojas de optometria de proprietários bahá’ís, incluindo uma lista de seus empregados e suas religiões. E uma grande distribuidora de produtos de higiene de propriedade de um bahá’í em Teerã foi fechada, resultando em 70 empregados perdendo seus empregos.

Perseguição na educação

Crianças bahá’ís em idade escolar continuam a ser monitoradas e caluniadas por administradores e professores em escolas. Estudantes de ensino secundário frequentemente enfrentam pressão e assédio, e alguns têm sido ameaçados com expulsão. Professores de ensino religioso são conhecidos por insultar e ridicularizar as crenças bahá’ís. Em poucos casos reportados, quando estudantes bahá’ís tentam clarificar temas a pedido de seus pares, são chamados pelas autoridades escolares e ameaçados de expulsão se continuarem a “ensinarem” sua Fé. Jovens bahá’ís continuam a ser negados ao acesso a faculdades e universidades públicas e privadas no Irã como política oficial, o que requer que sejam expulsos se conseguirem se inscrever e autoridades educacionais descobrirem que se tratam de bahá’ís.

Em setembro de 2014, uma jovem bahá’í teve a sua entrada na universidade, apesar do fato de ter sido classificada em 113º lugar nos exames nacionais de acesso ao ensino superior. Nos últimos meses estudantes de arquitetura (4º ano), contabilidade (4º ano), psicologia e engenharia e outros cursos foram expulsos de 6 universidades diferentes foram identificados e consequentemente expulsos. Uma jovem, a quem foi dada a oportunidade de retomar seus estudos se renegasse a sua fé recebeu, em dezembro, do tribunal a ordem de reinstalação, que foi acatado pela instituição de ensino. Em muitos casos, há ainda uma nova tática levada a cabo pelo estado, que é de privar os bahá’ís de qualquer documento ou papel que possam usar para provar que estão sendo discriminados por causa de sua religião.

Aqueles trabalhando em apoio ao Instituto Bahá’í de Educação Superior (BIHE), uma iniciativa de voluntários da comunidade bahá’í iraniana para prover educação à sua população jovem, têm sido várias vezes presos, assediados e aprisionados. Em março de 2015 prenderam ainda professores de 10º, 11º e 12º anos, na cidade de Shiraz.

Outras formas de perseguição

Os bahá’ís iranianos também enfrentam a monitoração de suas contas, movimentações e atividades bancárias; a negativa de pensões ou heranças legítimas; a intimidação de muçulmanos que se associarem com bahá’ís; a negativa de acesso à facilidades de publicação ou de cópias para literatura bahá’í; e o ilegítimo confisco ou destruição de propriedades bahá’ís, incluindo locais sagrados bahá’ís.

Outro tema recorrente é reverberada pela situação insólita de uma família que não consegue sepultar sua filha, uma menina de 12 anos. Ao passar por vários oficiais do estado e do clero, deparam-se com um clérigo que lhes diz “vocês são produtos de Israel”. Essa acusação, muitas vezes feita de outras formas, resulta do fato dos restos mortais de Bahá’u’lláh , Fundador da religião bahá’í, estarem em Haifa, hoje Israel; contudo não são de forma alguma verdade, já que o estado Israel foi fundado bem depois da Fé Bahá’í e na verdade foi o próprio governo do Irã, no século XIX, instigado pelo clero islâmico da época que encarcerou Bahá’u’lláh na fortaleza de ‘Akká que era controlada pelo Império Otomano, localizada no que hoje constitui o estado de Israel.

Como citado por um alto oficial de direitos humanos das Nações Unidas, a perseguição conduzida pelo estado alcança “todas as áreas de atividade estatal, desde leis de provisão familiar à escola, educação e segurança”. Dito de outra forma: a opressão aos bahá’ís iranianos estende-se do berço ao túmulo.

Origens “teológicas” da perseguição aos bahá’ís no Irã


A política oficial de extermínio dessa população religiosa advém de uma posição do estado que considera a Fé Bahá’í uma heresia, já que a tradição islâmica cita o Profeta Muhammad como sendo “o selo dos profetas”, frequentemente compreendido como o último possível fundador de uma religião divina. Como tal, a Fé Bahá'í não é considerada uma religião, recusando-se o estado a reconhecê-la como uma minoria religiosa.

Ideias trazidas por Bahá’u’lláh, tais como a de que mulheres e homens devem gozar de direitos, deveres e oportunidades iguais também abalam as estruturas tradicionais no Irã. Por outro lado, liberando a espécie humana do materialismo ou fanatismo, a Fé Bahá’í preconiza a ciência e a religião como dois pilares do conhecimento. Conhecimento esse que deve ser buscado por cada indivíduo, livre de amarras como preconceitos ou tradições do passado, ou opiniões de terceiros. Pertencendo a uma fé que não possui clero, a responsabilidade da interpretação espiritual e das ações pelo progresso da humanidade encontram-se nas mãos das próprias pessoas. Tudo isso faz com que as autoridades iranianas persigam os bahá’ís, garantindo sempre a sua liberdade caso se convertam ao Islã. A questão é portanto de fundo religioso, e não de ameaça a segurança do estado, como querem fazer crer as acusações contra os bahá’ís.

Os bahá’ís e o diálogo inter-religioso

A Fé Bahá’í, fundada em 1844 no que é hoje o Irã, é uma religião que professa que todas as religiões advém de um mesmo Deus. Essa ideia torna-se o motor do diálogo inter-religioso. Para os bahá’ís, as lideranças religiosas em diálogo constante têm um papel fundamental no tratamento das profundas injustiças que impedem o pleno desenvolvimento do potencial humano e o desempenho de seu papel de direito no avanço da sociedade. Para constituir parcerias dignas na construção de uma sociedade mais justa e pacífica, os bahá’ís engajam-se no diálogo inter-religioso, onde se erguem vozes e ações contra a violação de direitos humanos, contra todas as formas de violência e fanatismo, e contra a discriminação em nome da religião. O papel da religião deve ser o de examinar de que maneiras palavras, ações, ou silêncio favoreceremo status quo, ao mesmo tempo que, através da nutrição do espírito humano, eleva as faculdades intelectuais que distinguem o gênero humano.

Os bahá’ís entendem que para que esse diálogo inter-religioso contribua de modo significativo para a melhora do mundo, é necessário mirar-se com honestidade a toda-abrangente verdade: que Deus é um só, e que, por detrás de toda a diversidade das múltiplas expressões culturais e interpretações humanas, a religião também é uma só. Ainda que diversas, as diferentes denominações religiosas nada mais são que diferentes caminhos que levam a um mesmo destino: o Criador de todos nós.

A cada dia que passa cresce o perigo de que os fogos crescentes do preconceito religioso venham a provocar uma conflagração mundial cujas consequências são inimagináveis. É um perigo que os apelos pela tolerância mútua, apenas, não conseguem extinguir, já que tais animosidades reivindicam contar com a sanção divina. A crise exige da liderança religiosa uma ruptura com o passado, tão decisiva quanto aquelas que abrem o caminho para que a sociedade resolva os preconceitos igualmente corrosivos de raça, gênero e nacionalidade. Qualquer exercício de influência em questões de consciência somente se justifica no serviço ao bem-estar da humanidade.

Para os bahá’ís, a exortação de Bahá’u’lláh ecoa o trabalho a ser levado adiante não só no Irã ou no Brasil, mas em todo o mundo: “O bem-estar da humanidade, sua paz e segurança, são irrealizáveis, a não ser que, primeiro, se estabeleça firmemente a sua unidade”.

Este se torna, assim, o principal trabalho de todo crente bahá’í: o estabelecimento da unidade mundial, por meios pacíficos.

FONTE: CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil em 06/06/2015

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