O desrespeito virtual pelas diferenças


Páginas incitando o ódio e a intolerância a culturas, etnias, orientações sexuais, religião - ou até mesmo a falta dela - têm se tornado cada vez mais comuns na internet. Com a popularização das redes sociais, esse tipo de mensagem passou a ser propagada com frequência ainda maior em Tumblrs, perfis no Twitter e páginas no Facebook.
De acordo com o psicólogo Tiago Cabral, o aumento da propagação de mensagens de intolerância na internet é um reflexo da necessidade que as pessoas possuem de expor sua opinião, acrescida da ideia de que a rede mundial de computadores protege seus usuários de possíveis represálias por seus atos - e da possibilidade de encontrar pessoas com os mesmos pensamentos, diferente do mundo real.
- Pesquisas apontam que existe intrínseco na internet um certo ar de "impunidade", de que ali "tudo pode". Por isso, muitas pessoas dizem na internet coisas que não são capazes de repetir no mundo real – explicou.
Para a social media Vanessa Ferre, assim como a internet é uma ferramenta para a propagação de conhecimento positivo para a sociedade, também abre espaço para o preconceito e a intolerância.
- A Web cresceu e, com ela, além do crescimento das redes sociais e da interação humana, aumentou também a necessidade das pessoas em querer expor e impor suas opiniões. O que fez também ficar mais visível o preconceito e a intolerância de muitas pessoas, independente do seu grau de instrução ou sua classe social, e muitas vezes tudo isso pelo puro modismo de “ter algo a odiar, a ser odiado” - comentou, acrescentando que muitas vezes esse comportamento é incoerente e resgata práticas medievais.
Segundo ela, basta navegar um pouco na web para se encontrar comunidades ateias que agem como igrejas, comunidades Gays agindo com a mesma intolerância contra a qual lutaram tanto tempo – e, em uma situação mais recente, os próprios profissionais da internet reclamando da popularização da rede junto às massas.
- A minha pergunta é: o que vamos ganhar com isso? Aonde vamos chegar? A internet veio para trazer evolução, e o que temos são pessoas cometendo os mesmos erros de nossos ancestrais. Continuamos vivendo num mundo aonde as pessoas ainda preferem apontar o dedo ao próximo a olhar para si mesmas, só que dessa vez em estilo hi-tech – disse.
Limiar entre a liberdade de expressão e o crime
De acordo com o delegado titular da 93ªDP (Volta Redonda), Antônio Furtado, a liberdade de expressão é um direito assegurado na Constituição Federal, mas existe o chamado Principio da Dignidade da pessoa Humana, no qual todas as leis devem ser interpretadas.
- Liberdade de expressão é uma coisa, mas não se pode disseminar o ódio, preconceito ou estimular a prática de crime. “Liberdade de expressão”, ao contrário do que a maioria pensa, não é dizer tudo aquilo que a pessoa quer. A pessoa pode estar falando algo que fere a honra objetiva de pessoa – disse, explicando que existem dois tipos de honra: a objetiva, que indica o que as pessoas pensam de uma determinada pessoa; e a subjetiva, que indica o que esta pessoa pensa dela mesma. Ou seja: se alguém divulga algo em relação a uma pessoa que pode fazer com que gere a opinião equivocada de outros em relação a ela, estará ferindo a honra objetiva de alguém e, com isso, cometendo um crime.
- Hoje em dia se utiliza a internet para a prática de alguns crimes como o de injúria - que é o xingamento -, o da difamação - que é quando revelamos uma qualidade negativa de alguém -, e até o mesmo o crime de calúnia, quando se expõem mentiras em relação a índole ou práticas de alguma pessoa. Elas podem ocorrer através de um site ou e-mail. Isso é crime, independente de ser cometido ou não pela rede mundial de computadores. O interessante é que, às vezes, tudo o que uma pessoa fala em relação a outra pode ser verdade, mas ela não tem o direito de expor isso – afirmou, acrescentando que os crimes básicos relacionados à internet ainda não estão muito bem separados, devido à antiguidade do Código Penal Brasileiro.
De acordo com o delegado, existem estudos para que os crimes praticados no mundo virtual sejam expressos com mais clareza. Ele ainda acrescenta que é possível responder criminalmente por ações de intolerância religiosa e racista devido a leis específicas.
- Quando isso acontece a pessoa pode procurar a delegacia com um print screen (reprodução da página); se isso tiver ocorrido através de e-mail, tragam a mensagem impressa para poder comprovar a ação e será realizada uma ocorrência. 
Cyberbullying
Enquanto algumas pessoas utilizam a internet para propagar suas ideias – mesmo que elas não sejam muito bem aceitas pela sociedade -, outros veem na web uma ferramenta para ofender e perseguir as outras, prática conhecida como cyberbullying. Por duas vezes a administradora Júlia Maria da Costa Melo, de 22 anos, foi vítima de ofensas consecutivas e ações prejudiciais na Web. Aos 16 anos ela encontrou uma página na rede social Orkut que continha diversas ofensas dirigidas a ela. Anos mais tarde criaram um fake (perfil falso) em seu nome da rede social de perguntas e respostas Formspring. Ela denunciou a ação junto com sua família e amigos, e as páginas foram retiradas do ar.
- As pessoas aproveitavam para me xingar, eram coisas pesadas. Outra vez se fingiram passar por mim no Formspring, entraram na pagina de uma ex-namorada de um rapaz com quem eu ficava e xingaram-na como se fosse eu, para me culpar. Eu me senti muito mal. Apesar de saber que o que diziam não era verdade, muita gente que não me conhecia poderia acreditar. E ninguém gosta que falem mal, né? É uma situação chata – comentou.
O cyberbullying é uma denominação para classificar quando a prática de reprimir consecutivamente uma pessoa através de ofensas - ou até mesmo agressões - é realizada pela internet. Segundo o psicólogo Tiago Cabral, essa ação pode causar traumas psicológicos mais graves do que quando ocorre fora da rede.
- Geralmente este tipo de bullying é feito com imagens ou vídeos que raramente são apagados da internet e, por estarem no meio virtual, têm um alcance muito maior. Em muitos casos, a família da vítima até tenta mudar de cidade quando o caso é muito grave, mas, por conta do alcance da internet e de sua capacidade viral, isso não adianta – explicou.

FONTE: Diário do Vale em 07/04/2012

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