Comunidade religiosa isolada do México impede ensino laico


Num povoado de Turicato, município do estado mexicano de Michoacán, no Sudoeste, é proibido jogar futebol, ver televisão e ler jornais. O dia a dia dos moradores de Nova Jerusalém, comunidade religiosa fundada em 1973, é dedicado à fé. Nos últimos meses, no entanto, a intolerância tem dominado o cotidiano dos habitantes.
Na última segunda-feira, enquanto 27 milhões de jovens voltavam às aulas com o fim das férias de verão no México, os de Nova Jerusalém foram impedidos. Na porta de uma casa improvisada como escola, fiéis fecharam o acesso dos alunos, em protesto contra a educação laica na região. Criticaram o uso de uniforme em vez da vestimenta tradicional e se enfrentaram a golpes com os pais que insistiam em deixar os filhos na unidade. O conflito já dura uma semana e expõe a disputa de poder entre dois grupos antagônicos.
Nas ruas, o fundamentalismo religioso divide espaço com a pobreza. A maioria dos moradores vive da plantação de cana-de-açúcar. A prefeitura de Turicato diz que os habitantes recusam serviços básicos, como eletricidade e pavimentação, em nome do isolamento.
São determinações seguidas desde a fundação do povoado há 39 anos, quando uma anciã teria testemunhado uma aparição da Virgem do Rosário. Ela teria indicado ao pároco que criasse uma “comunidade divina”. O pároco, autodenominado Papai Nabor, governou o local com mão de ferro até sua morte, em 2008. Seu sucessor, um homem que se fazia chamar por “San Martin de Tours”, não teve a mesma aceitação. O movimento religioso, não reconhecido pela Igreja, rachou. Hoje, dos 2.100 habitantes de Nova Jerusalém, estima-se que quase a metade seja de dissidentes que, apesar de compartilharem a religião, discordam do radicalismo, por um melhor futuro para os filhos.
A educação sempre foi responsabilidade dos religiosos tradicionalistas em Nova Jerusalém. A primeira escola laica só foi erguida em 2007, mais de 30 anos depois da fundação da comunidade, por insistência dos governos municipal e estatal. A partir daí, os conflitos aumentaram. Em agosto de 2011, os tradicionalistas ocuparam as escolas e, em julho deste ano, queimaram uma por “orientação divina”. Seguidores de Martin de Tours fazem plantões para impedir os acessos a elas.
- Os governos estaduais nunca submeteram essa comunidade ao marco legal. Parece haver outros interesses envolvidos - contou ao GLOBO Efraín Barrera, porta-voz da prefeitura de Turicato. - Essa comunidade costuma garantir ao menos 700 votos ao Partido Revolucionário Institucional (legenda do governo e do presidente eleito).
O estado garante que as aulas serão retomadas em Nova Jerusalém na próxima segunda-feira “de qualquer maneira”. Mas as alternativas, como transferir os alunos a escolas de cidades próximas, foram recusadas pelas famílias dissidentes.
Os dissidentes deram um ultimato ao governo: se as aulas não forem retomadas até segunda-feira, atuarão por conta própria. Nos bastidores, há temor de recrudescimento de uma espécie de guerra santa moderna que tradicionalistas, dissidentes e autoridades não conseguem resolver.

FONTE: Jornal O Globo em 24/082012

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.