Lideranças religiosas denunciam intolerância em audiência pública no RN


Depoimentos apontaram violências, depredação de templos, perseguição em escolas e abuso do poder por agentes do estado

Sacerdotes Baba Melk Zedec de Xangô (esq.) e Mãe Lúcia de Nanã (dir.) relataram violências religiosas durante audiência / Kennet Anderson
Juremeiros, candomblecistas e umbandistas do Rio Grande do Norte, ao participarem de uma audiência pública promovida pela Frente Mista Parlamentar em Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais do RN, na última sexta-feira (25), relataram uma série de violências e intolerâncias por pessoas de outras religiões e por órgãos do Estado. O espaço, que ocorreu na Assembleia Legislativa, em Natal, foi a primeira reunião da Frente que busca acompanhar e debater as necessidades dos povos e comunidades tradicionais.

O sacerdote Baba Melk Zedec de Xangô, que tem um terreiro no município de Ceará-Mirim, foi o primeiro a chamar atenção dos parlamentares quanto ao preconceito geográfico, cultural e simbólico que fiéis de sua religião sofrem diariamente. Segundo ele, historicamente, nunca houve o mesmo tratamento com relação à localização dos templos religiosos de matrizes africanas, devido à depredação dos espaços por outras pessoas.

“Sempre enfrentamos preconceito a intolerância geográfica. Os nossos templos não conseguem se estabelecer nas áreas nobres da cidade, mas outras religiões sim. Não conhecemos um terreiro nas áreas nobres de Natal, e isso é normal em todo Brasil. Os únicos locais que nos aceitavam eram as periferias, mas hoje nem isso, porque sofremos perseguições de outras religiões que chegam lá e querem nos expulsar e atacar´”, conta.

Além disso, ele também apontou o constante despreparo de agentes do Estado em se tratar com os religiosos, muitas vezes devido à falta de conhecimento pela prática religiosa, gerando, constantemente, numa violência policial, quando usam de seu poder para apreender instrumentos sagrados e encaminhar sacerdotes à delegacia.

“Quando chega alguém e faz uma denúncia, não se ouve nossa parte. Prende e já levam nossos instrumentos sagrados. Nós somos convocados a comparecer a uma delegacia. E se a gente tem um advogado cedido à prestação de um BO, não temos acompanhamento até o final da questão. Nossos sacerdotes se sentem intimidados diante da força policial. Há necessidade de que os órgãos policiais tenham formação e capacitação para se tratar com os povos tradicionais para não se cometerem esses atos intoleráveis”, afirma.

A sacerdotisa de Jurema Mãe Lúcia de Nanã, também relata que órgãos do Poder Executivo geram constantes conflitos com os povos de matrizes africanas, fazendo uma série de exigências, para que eles continuem suas práticas, que não fazem com outras religiões.

“Em Parnamirim, tem um irmão que está sofrendo isso na pele. Ele alugou um espaço para dar uma festa, porque se fizer na casa dele jogam pedra. A própria Secretaria de Parnamirim bateu na porta dele com exigências. A polícia não bate na porta de uma igreja evangélica nem católica, mas porque bate na porta de um terreiro? Coloca a porta abaixo, apreende e agride os nossos sagrados. Dizem que nós somos o mal. O mal? Nós não somos o mal, nós praticamos o bem! Independentemente de quem seja”, declara.

Intolerância nas escolas

Durante uma pesquisa realizada pelo advogado e mestre em Ciências Sociais, Manuel Paiva, escolas públicas na região da Zona Norte de Natal não constataram registros de estudantes juremeiros, candomblecistas e umbandistas. Tal fato, segundo ele, é causado pelo medo que esses estudantes têm de serem perseguidos e marginalizados: “estão mascarados por medo de mostrar sua crença e sua fé.”

“Temos exemplos de alunos que sofreram perseguições em suas escolas. Em um caso registrado no município de Natal, um aluno se posicionou como candomblecista ao apresentar um trabalho, e o professor, em sala de aula, pegou o trabalho indagando-o e incitando a turma a chamá-lo de demônio, dizendo que ‘aquilo não era coisa de gente digna’ e que ele era muito jovem e ainda poderia ‘se salvar’. A criança tinha 9 anos”, relata.

Mesmo a mãe sendo chamada à escola, Paiva comenta que a solução dada pela direção foi de mudar a criança de instituição, pois ela estaria causando um “estranhamento” no local. Apesar disso, a escola trocou o professor de sala de aula, mas a criança só voltou após um trabalho psicológico feito pelo terreiro e após a intermediação de uma professora que se colocou a disposição de acompanhar o estudante.

“A situação que nós vivemos é de um país intolerante com episódios sucessivos de intolerância religiosa as quais vêm se agravando ao longo do tempo. Quando pensamos escolas públicas, nós percebemos um forte movimento polarizado por religiões ligadas ao universo cristão, com práticas ou de total ignorância aos outros credos ou mesmo práticas de preconceito e intolerância religiosa. Precisamos nos expor e provocar os poderes públicos para fazer com que isso seja coibido”, aponta o pesquisador.

Frente parlamentar

A Frente Mista Parlamentar em Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais do RN surge em maio de 2019 com o Curso dos Promotores Populares Legais do Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais do RN. A primeira atividade do curso foi criar a Frente, por meio de um conselho gestor formado por representantes sacerdotes e sacerdotisas de terreiro, mais representantes das comunidades tradicionais do estado.

“Nós selamos esse compromisso especialmente com os povos de terreiro, para que a gente pudesse trazer para o debate as consequências que essas pessoas sofrem pela sua opção de crença. Elas têm o direito de optar e de escolher, e nós do poder legislativo e executivo temos a obrigação de garantir isso”, aponta a deputa estadual Isolda Dantas (PT), uma das parlamentares que compõe a Frente.

Além dela, também participam da Frente o deputado estadual Francisco do PT (PT), o deputado estadual Souza Neto (PHS), a vereadora Divaneide Basílio (PT), e a deputada federal Natália Bonavides (PT/RN).


FONTE: Brasil de Fato em 28/10/2019

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