Intolerância religiosa faz centro espírita centenário mudar a rotina

Foto: André Porto



Por Gisele Barros*


Fundado há 130 anos, o terreiro Axé Opô Afonjá, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, mudou sua rotina desde agosto. Com medo de ataques religiosos, passou a realizar mais cedo algumas celebrações do candomblé: as que começavam às 19h foram antecipadas para as 18h. Além disso, os frequentadores do centro, o primeiro a ser tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), estão proibidos pela Mãe Regina D’Yemanjá de usar roupas típicas da religião pelas ruas, para evitar manifestações de preconceito.

Os novos hábitos foram impostos por uma triste realidade. Dados da Secretaria estadual de Direitos Humanos mostram que, de agosto até o início de outubro deste ano, foram notificados 42 casos no Rio de Janeiro, 91% deles contra religiões de matriz africana. A maior parte das ocorrências foi na capital: 16 denúncias. Em segundo lugar, está a Baixada, com 12 casos.

Para Drika de Odé, do terreiro Axé Opô Afonjá, mesmo que o centro não tenha sofrido ataques, é preciso adotar medidas de prevenção. À noite, quando os portões da casa ficam abertos para qualquer pessoa participar das celebrações, o cuidado é redobrado:

— Não sabemos a intenção de quem entra. Estamos a 20 minutos de terreiros atacados em Nova Iguaçu. Não há como ter certeza de que algo parecido não vai ocorrer aqui. Sentimos a dor pelos irmãos que foram agredidos e tentamos nos proteger.

Drika diz ainda que as mudanças são motivo de tristeza entre os praticantes da religião, já que são obrigados a esconder parte do que são:

— Sempre saíamos vestidas de baianas para ir ao mercado, para fazer atividades do nosso dia a dia, mas hoje não nos sentimos livres para isso. É muito triste porque temos orgulho do que somos e do que acreditamos, ninguém aqui queria que a realidade fosse assim.

SEGURANÇA REDOBRADA

Na Casa do Mago, no Humaitá, o líder do centro espírita, Ubirajara Pinheiro, reforçou a segurança após três ataques em pouco mais de duas semanas, entre julho e agosto deste ano. Em um deles, um artefato explosivo foi jogado no imóvel. Nos outros dois casos, bandidos atearam fogo ao portão.

— Instalamos mais câmeras, contratei segurança particular e a identificação para entrar na casa ficou mais rigorosa — disse Ubirajara.

O número de casos de intolerância religiosa no estado pode ser ainda maior. A Polícia Civil ainda não tem uma nomenclatura específica para registrar esse tipo de crime. A Secretaria de Direitos Humanos já solicitou a inclusão de cinco campos de “motivação presumida” nos registros de ocorrência: Intolerância Religiosa, Transfobia, Lesbofobia, Xenofobia e Intolerância por Raça e Cor.

Marilena Mattos, integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio e dirigente espiritual da Casa de Claudia, em São João de Meriti, afirma que, apesar dos episódios de violência, incentiva a presença em celebrações, como forma de resistência:

— Sentimos a apreensão de todos a cada novo caso. Achei que esse tempo não ia voltar, de retrocesso e de um monopólio religioso. Mas precisamos continuar buscando nosso espaço, como maneira de mostrar o que é a verdadeira umbanda ou candomblé.

* Estagiária sob a supervisão de Leila Youssef

FONTE: Jornal Extra em 28/10/2017

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.