'Música do candomblé não tem que ficar presa ao terreiro', diz idealizador do projeto Pradarrum

Tão sonoro quanto o nome, o projeto “Pradarrum”, lançado neste final de semana em Feira de Santana, firma raízes na matriz musical afro-religiosa da Bahia. Idealizado e dirigido pelo experiente músico, arranjador e pesquisador de ritmos Gabi Guedes – integrante da Orkestra Rumpilezz e da banda base do Jazz no MAM-BA –, juntamente com o seu sobrinho, o jovem guitarrista e arranjador musical Felipe Guedes, o projeto pretende mostrar a música do candomblé em sua plena conexão com a “world music”.
 
E o que significa Pradarrum? “’Rum’, a última palavra, é o atabaque maior, que tem a responsabilidade de evocar os orixás e, também, com suas variações, acompanhar o movimento da dança. ‘Darrum’ é quando o Ogan toca e canta para evocar os orixás: Você está dando "rum" ao orixá. Aí vem, o "adarrum", que é um ritmo sagrado que faz parte da religião do candomblé. O "pra" pode ser um paó, que é quando você tem duas notas quase que simultaneamente repetidas três vezes e é uma forma de agradecer. E aí, dentro de tudo isso, conseguimos essa palavra, que é bem sonora e é tudo isso junto”, explicou Gabi, em entrevista ao Bahia Notícias.
 
A parceria entre o tio e o sobrinho se iniciou bem cedo, desde os primeiros anos de vida de Felipe, que começou a tocar bateria aos dois anos de idade. A essa época, o projeto “Pradarrum” já estava gestado na cabeça de Gabi Guedes. “Eu já vinha tentando estruturar esse projeto muito antes de o Felipe nascer. Minhas viagens internacionais me fizeram estar à procura de um músico para tocar o projeto comigo. No entanto, não consegui achar a liga, o dendê para que eles tocassem com o mesmo sentimento que temos aqui. Deixei a ideia no coração e no papel. Quando eu viajei para a França para trabalhar em uma escola de percussão, eu comecei a rascunhar melhor a ideia. Voltei para o Brasil, encontrei o Jimmy Cliff, toquei com ele por diversas turnês internacionais durante dez anos. Depois de um tempo, senti a necessidade de retomar a ideia do projeto. Nesse meio tempo, pintou a Orkestra Rumpilezz e já são seis anos lá. Felipe queria integrar o baba e eu encontrei nele a pessoa que eu queria ter encontrado há muitos anos atrás, para poder mostrar essa música, que é a nova música de Salvador”, resumiu Gabi, que iniciou sua carreira artística no bairro da Federação, onde nasceu. “Aprendi a tocar os tambores ouvindo os sons dos terreiros”, lembrou.
Nos próximos finais de semana, as cidades de Salvador (24, no Teatro Solar Boa Vista) e Santo Amaro (30, no Teatro Dona Canô) também receberão o projeto, que é integrado por oficinas e shows e foi contemplado pelo edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). “A ideia é mostrar essa possibilidade de tocar as coisas que são do candomblé fora dos terreiros; tudo isso sem ferir muito o lado da religião, sem apresentar muito a coisa”, contou Gabi. Por isso, os temas das oficinas vão desde os toques de atabaques no ritmo de candomblé, passando pela construção de cuícas e consultoria para elaboração de projetos tal qual o próprio Pradarrum.
 
Durante a conformação do projeto, cerca de quatro computadores foram destruídos– “sem exagero!”, dizem em uníssono os músicos. Por outro lado, foi a partir daí que o projeto “Pradarrum” começou a ganhar forma e hoje já aparece como prenúncio de um disco homônimo. “Temos a necessidade de não deixar que esses ritmos desapareçam com o conhecimento de outros ritmos. Eu acredito que aqui na cidade, 80% dos músicos, na categoria de percussão e bateria, não conhecem a musicalidade do candomblé, do terreiro”, deduziu. Para Gabi, o alto índice de desconhecimento é gerado pelo preconceito.  “A música do candomblé não tem que ficar presa ao terreiro porque é do candomblé; é uma música do povo. A Igreja vive agradecendo. E nós, que somos natureza, temos muito a agradecer, sabe? A cantiga do candomblé, a música do candomblé, toda essa espiritualidade é para você agradecer o ar que você respira, o marzão, todas essas árvores, os rios...”, sintetizou.
 
Mas a síntese do projeto está mesmo em Felipe Guedes, que sem pertencer a nenhuma religião está ligado à proposta devido à música. “Eu tenho um pé lá outro cá justamente pela música. E essa é a linguagem do Pradarrum”, explicou. E apesar de as oficinas não serem voltadas para o público infanto-juvenil, este público não está vetado a participar. “Afinal, no terreiro é assim. Desde pequenos, via oralidade, as crianças vão aprendendo a tocar. Nem pedem para tocar e já vão batendo no instrumento”, defenderam.
FONTE: Bahia Notícias Entretenimento em 19/03/2013

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