Fanatismo religioso veta criação de instrumento capaz de atuar pela garantia do estado laico e da liberdade de expressão religiosa

Com um discurso obscurantista que previa a instalação de práticas satanistas, evocação do “Espírito Santo” para votar contra a aprovação e ironias à proposta de inclusão de ateus e agnósticos no conselho, a bancada evangélica da câmara municipal vetou a criação do Conselho Municipal da Diversidade Religiosa, na sessão do dia 04 de dezembro de 2012, projeto do vereador Robertinho Mori (PV).


O projeto, seguindo as orientações do Comitê Nacional da Diversidade Religiosa, instalado em Brasília pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no dia 30 de novembro de 2011, visava impedir manifestações de desrespeito e violação dos direitos dos que não professam religiões hegemônicas ou até mesmo que não professem religião alguma.


Segundo algumas pesquisas acadêmicas, no Brasil, os grupos mais vulneráveis à intolerância religiosa tem sido os adeptos dos cultos afro-brasileiros e também os que se consideram ateus. Nesse sentido, o conselho municipal seria um instrumento na cidade para atuar em parceria com a Assessoria da Diversidade Religiosa através de ações políticas de promoção e defesa da liberdade religiosa, implementando as ações programáticas previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos 3/PNDH-3.


Em outras palavras, o conselho não visa discutir religião, como falaram os vereadores evangélicos, demonstrando total desconhecimento do projeto, mas constituir um grupo com o objetivo de pensar políticas públicas para a diversidade, combatendo a intolerância na perspectiva dos direitos humanos e da cultura de paz, entre elas, a instituição de mecanismos que assegurem o livre exercício de práticas religiosas, assegurando a proteção do seu espaço físico e coibindo a intolerância religiosa; campanhas de divulgação da diversidade religiosa; o ensino da diversidade e da história das religiões, no ensino público, enfatizando as diferenças culturais e a afirmação da laicidade do estado, todas previstas pelo Comitê Nacional da Diversidade Religiosa.


A iniciativa do município de São Carlos, através da proposta do vereador Robertinho Mori (PV), foi elogiada nacionalmente, recebendo várias manifestações de apoio. Por exemplo, podemos citar a mensagem da Monja Coen, que frequentemente visita a cidade de São Carlos, realizando eventos no Jatoba Terra Prana, um espaço espiritualista conhecido nacional e internacionalmente. Em suas palavras, afirma:


“Primeiro quero congratular a Câmara Municipal de São Carlos, no Estado de São Paulo, pela iniciativa de criar o Conselho Municipal da Diversidade Religiosa. Apreciar a Diversidade Religiosa é o mesmo que apreciar a Democracia e nos mantermos firmes em nossos propósitos de promulgar os Direitos Humanos: direitos de crença e não crença, apreciação à diversidade cultural e étnica, acolhimento e reconhecimento da laicidade do estado e da liberdade religiosa.
A promoção do diálogo é um dos marcos fundamentais para a construção de uma Cultura de Paz, Justiça e Cura da Terra.”

Também é importante ressaltar o apoio que o projeto recebeu do senhor Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que tem assento na Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SP e nos comitês da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e também do Estado do Rio de Janeiro.


A ideia de se ter um conselho municipal da diversidade religiosa foi tirada no I Encontro do Fórum Permanente de Educação,  Cultura de Paz e Tolerância Religiosa, que se reúne na cidade de São Carlos, desde 2010, no dia 21 de janeiro, considerado pelo governo federal como Dia Nacional de combate a Intolerância Religiosa.


Naquele evento foi escrito um documento denominado Manifesto pela Paz e pela Tolerância Religiosa em São Carlos, disponível na internet para consulta. No manifesto, os participantes do fórum, representando vários grupos religiosos e espiritualistas sugerem ao poder público a criação do Conselho Municipal da Diversidade Religiosa e a implementação no município da lei 9475/97, que institui a disciplina optativa ensino religioso escolar, sem finalidade doutrinária ou proselitismo, mas valorizando a diversidade cultural e religiosa.


O documento foi encaminhado, no mesmo ano, para o gabinete do prefeito e também para a secretaria da educação. Em 2012, após a participação do projeto Homospiritualis no evento Semana da Harmonia entre as Religiões da ONU, na Universidade Federal da Paraíba, na cidade de João Pessoa, no mês de fevereiro, procuramos o deputado federal Newton Lima (PT) para tentar o apoio dele a essa ideia. Infelizmente, até hoje, ele não pode atender a nossa solicitação.
O mesmo não aconteceu quando procuramos o vereador Robertinho Mori (PV) que, sensibilizado com a ideia, elaborou o projeto de lei com sua equipe. O projeto do vereador foi lido e discutido no XI Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz,, recebendo apoio dos participantes, entre eles, os os adeptos dos cultos afro-brasileiros e os ateus e agnósticos.

Em nome do projeto Homospiritualis agradeço mais uma vez a sensibilidade do vereador Robertinho Mori (PV), que fará muita falta na próxima gestão da câmara municipal, e aos vereadores que votaram a favor do projeto: Lineu Navarro (PT), Ronaldo Lopes (PT), Antonio Catarino (PTB) e também ao presidente da câmara, que não votou, mas manifestou apoio ao projeto, o vereador Edson Fermiano (PR).





São Carlos, 5 de dezembro de 2012


Adilson Marques – doutor em Educação pela USP, professor da FESC e coordenador do Projeto Homospiritualis, mantido pela ONG Núcleo Cultural Rosa de Nazaré, organização responsável pelo Fórum permanente de Educação, Cultura de Paz e Tolerância Religiosa e pelo Encontro Ecumênico de Educação e Cultura para a Paz, realizados anualmente na cidade sem recursos do poder público ou de religiões.
FONTE: Projeto Homospiritualis em 05/12/2012

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