O perigo da intolerância religiosa


Falta uma atuação ampla no mundo de líderes políticos e também de religiões para conter e impedir a proliferação de conflitos entre sectários

A intolerância move múltiplos conflitos de ordem sectária, racial e política ou uma mistura desses ingredientes. É conhecida a rivalidade entre hindus e muçulmanos, que precede a partição pela Grã-Bretanha do subcontinente indiano entre os novos países independentes Índia e Paquistão, em 1947. Mais de seis milhões de muçulmanos se deslocaram para o Paquistão, igual número de hindus e siks abandonou o Punjab em direção à Índia. Esse caos, somado a massacres étnicos, deixou centenas de milhares de mortos, numa das grandes tragédias modernas. A Índia vive hoje um novo êxodo. Mais de 500 mil pessoas fogem em pânico após falsas ameaças de ataques de muçulmanos a hindus.
No Paquistão, os 2 milhões de cristãos representam pouco mais de 1% da população, esmagadoramente muçulmana. A minoria é pressionada. Uma menina cristã de 11 anos corre o risco de ser condenada à morte porque, supostamente, queimou um exemplar do Alcorão. Em Mianmar, os choques são entre a maioria budista e os muçulmanos. Desde junho, mataram 78 pessoas. São casos em que religiões não desarmam espíritos. Ao contrário.
No Oriente Médio, o Islã é amplamente majoritário, mas está longe de concorrer para a estabilidade. O Líbano é um microcosmo. Com 60% de muçulmanos e 40% de cristãos (este dado torna o país único na região), tem 18 grupos reconhecidos oficialmente. Segundo antiga divisão político-religiosa, o presidente é sempre um cristão; o primeiro-ministro, muçulmano sunita; o presidente do Parlamento, xiita. E o Parlamento tem metade dos assentos para cristãos (maronitas, ortodoxos, armênios, assírios, católicos, protestantes e melquitas, entre outros) e metade para muçulmanos (sunitas, xiitas e drusos). Tem sido impossível não se produzirem animosidades.
Outra forte divisão no Líbano é entre os pró e os contra a Síria. O caráter sectário do conflito sírio — em que a maioria sunita luta para derrubar uma ditadura de mais de 40 anos dos alauitas (ramo do xiismo) — transborda para território libanês. Em Trípoli, Norte do país, quatro pessoas morreram e 60 ficaram feridas em enfrentamentos entre sunitas, simpáticos à oposição sunita síria, e alauitas, defensores do ditador Bashar Assad. O conflito sírio tem potencial para desestabilizar outros países da mesma maneira, radicalizando antagonismos.
Só uma atuação unida da comunidade internacional pode dar resposta à necessidade de conter os conflitos, o que hoje não se consegue devido às divisões no Conselho de Segurança da ONU. Por isto, o mundo precisa do concurso do maior número possível de líderes religiosos numa inédita ação conjunta. É necessário que joguem seu peso na causa do desarmamento dos espíritos envenenados por décadas ou séculos de rivalidades.

FONTE: Jornal O Globo em 25/08/2012

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