Luta pela diversidade de religiões


Desde 2006, o (Grupo) Videlicet atua pela diversidade de religiões e contra a intolerância religiosa na Paraíba. Graças às ações do grupo, os brasileiros têm hoje como denunciar casos desse tipo de intolerância pelo Disque 100 do Governo Federal. O jornal A União conversou com o coordenador do Videlicet, Carlos André Cavalcanti, professor de História e Ciências das Religiões na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


Quais são os objetivos do Videlicet?


O Videlicet é um grupo de pesquisa com ação cidadã. Ele estuda e atua pela diversidade de religiões e contra a intolerância religiosa. Um dos grandes objetivos é divulgar a laicidade, princípio que garante a separação entre o Estado e a religião sem confundir com o laicismo, que seria a perseguição da religião pelo Estado ou a intromissão dele nela, como ocorre, infelizmente, na França. Também formamos alunos para pesquisa e estudo das religiões. No momento, o nosso maior projeto é o acervo “Sônia Siqueira” de documentos inquisitoriais, em que 52 processos inquisitoriais brasileiros estão sendo digitalizados e transcritos paleograficamente por estudantes de História e de Ciências das Religiões da UFPB.


Quantas pessoas participam do grupo?


Somos nove pesquisadores em atuação hoje e 27 estudantes na equipe. Destaco, na pesquisa, a presença dos estudiosos: Sônia Siqueira, da Universidade de São Paulo, Ângelo Assis, da Universidade Federal de Viçosa, Ana Paula Cavalcanti, da UFPB, e Romero Venâncio, da Universidade Federal de Sergipe.


Como funciona o Fórum Paraibano da Diversidade Religiosa, criado pelo Videlicet?


O Fórum é de março de 2011 e foi criado com representantes de diversos segmentos religiosos da Paraíba, com a finalidade de buscar a cultura de paz entre as religiões. Nossa carta de fundação é a “Carta pela Harmonia entre as Religiões”. Temos o apoio da vereadora Sandra Marrocos. O Fórum funciona como espaço de debates e de amadurecimento de propostas de políticas públicas e de ações cidadãs no campo da diversidade religiosa. Como sou membro do Comitê Nacional da Diversidade Religiosa, criado pela Presidência da República em novembro de 2011, venho tentando adequar o Fórum às premissas do comitê nacional. Para isso, a nossa proposta é a criação do Comitê da Diversidade Religiosa da Paraíba. Nesse sentido, lançamos um abaixo-assinado no site Petição Pública, que pode ser assinado virtualmente. Basta acessar o site peticaopublica.com.br e colocar “diversidade religiosa Paraíba”, na busca.


Uma pesquisa divulgada no mês passado pelo IBGE mostrou que o candomblé foi a religião que mais cresceu, em dez anos, na Paraíba, correspondendo a um aumento de 214%. Também cresceram o número de evangélicos (88,3%) e o de espíritas (85,4%). Enquanto o de católicos diminuiu 0,9%. Como o senhor avalia esses resultados?


O quadro religioso brasileiro está mudando rapidamente. O crescimento do número de evangélicos é forte em todo o Brasil. Eles eram 6,6% em 1980, 9% em 1991, 15,4% em 2000 e são 22.2% em 2010. Os evangélicos fazem uso eficiente da mídia e o seu ramo neopentecostal cresce majoritariamente, difundindo a chamada “teologia da prosperidade”, além da recusa das religiões diferentes da deles. E este crescimento tem um forte componente de intolerância religiosa.


Por que?


Nas eleições de 2010, por exemplo, foi possível perceber o quanto a intolerância religiosa tem crescido em nossa sociedade. Todo e qualquer levantamento numérico em religiões é problemático no Brasil, pois milhões de brasileiros possuem mais de uma religião e o IBGE e outros institutos não conseguem captar isso em seus dados.


Apesar de ser um país laico, o Brasil possui inúmeros feriados religiosos. Isso não interfere no respeito à diversidade de religiões?


Se você me perguntar se devemos criar novos feriados religiosos, direi que não. Entretanto, penso que não é correto debater a extinção dos atuais feriados, pois conduz a disputas religiosas mais danosas que construtivas para a diversidade.


Quais conclusões vocês obtiveram estudando a Ciência das Religiões e a história da intolerância religiosa?


Muitas. Destaco a nossa convicção de que o Brasil está às vésperas de introjetar em sua cultura a componente da intolerância. Vivemos a antessala de um conflitualismo religioso aberto. A Presidência da República percebeu isso e criou o Comitê Nacional da Diversidade Religiosa na Secretaria de Direitos Humanos, do qual faço parte. A história mostra a necessidade de agir contra o avanço da intolerância. Entretanto, tem sido difícil despertar as pessoas em geral. Muitos acreditam que tudo que vem de religião é bom, o que não é verdade, pois, se o espírito religioso tende, teoricamente, a procurar a essência do bem, as instituições religiosas erram muito, como em tudo que é humano, e não podem merecer uma “santificação”.


Essa intolerância é mais comum em algum gênero ou classe social específico?


Não temos dados firmes para determinar isso com clareza. Há esforços de pesquisa, mas é cedo para termos estas informações, infelizmente.


O que deve ser feito para combater a intolerância religiosa?


Educação para Direitos Humanos, conteúdos científicos e de Direitos Humanos nas aulas do Ensino Religioso, como preconiza a lei, e ações claras do Ministério Público e da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Aliás, neste sentido, devo contar uma história. Este ano o Videlicet tentou denunciar um ato de intolerância religiosa ocorrido na Paraíba pelo Disque 100, o telefone da Ouvidoria. Para nossa surpresa, fomos informados que não se aceitava este assunto lá. Fizemos pressão para mudar isso através da coordenação do Comitê da Diversidade e conseguimos. Graças ao Videlicet da Paraíba, todo o Brasil tem hoje como denunciar a intolerância religiosa pelo Disque 100 do Governo Federal. As denúncias são gratuitas e recebem protocolo e encaminhamentos.


Como o senhor avalia o tratamento da mídia às notícias de cunho religioso?


Muito problemático ainda. Ora a religião é a salvadora da pátria ora é a culpada de todos os males. Falta objetividade e sobra emocionalismo. Religião rima com emoção, pois cada um tem a sua, geralmente. Com o pessoal de mídia não é diferente. Então, rola simpatia com uns e repulsa por outros. Quanto às notícias sobre intolerância religiosa, ainda é uma grande luta nossa: muitos jornalistas, por exemplo, não parecem entender que se trata de um fato notório. Aliás, a recente decisão da EBC (TV Brasil) de manter os programas de instituições religiosas na grade das emissoras públicas é um absurdo que atinge a laicidade e mostra que o cartel religioso é forte dentro do Estado.


É possível harmonizar ciência e fé? A religião é responsável pela dificuldade em aceitar o que é proposto pela ciência?


Sim. A ciência é caracterizada pelo uso de métodos racionais. Este uso não é incompatível com a fé, que se dá na dimensão das convicções profundas do indivíduo. Agora, há pessoas que preferem aplicar o princípio do método como filosofia para explicar a existência, o que as leva para o ateísmo ou para o agnosticismo, que é uma crença tão digna quanto qualquer religião.


FONTE: Fatos PB em 01/08/2012

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