Da normalização à intolerância religiosa

De Belarmino Van-Dúnem

A Nigéria é um Estado que dispensa qualquer tipo de apresentação. Sendo dos primeiros da África subsariana a beneficiar do boom das receitas do petróleo, os seus habitantes acabaram por criar no estrangeiro uma imagem que não condiz com as clivagens étnicas, religiosas e sociais do país real.
Nos finais da década de 1970 e sobretudo nos anos 80, o país foi literalmente cortado de Norte a Sul pelo brilho do asfalto que fazia antever um futuro risonho para todos os nigerianos, mas a queda do preço do petróleo criou grandes constrangimentos, o que levou o Estado a viver sucessivas crises devido ao grande débito externo adquirido para a construção de infra-estruturas.
A situação de bancarrota e a pressão externa para o pagamento dos juros dos empréstimos criaram um ambiente propício à anarquia e, como consequência, à emergência dos militares no poder.
Os golpes de Estado na Nigéria começaram pouco tempo após a proclamação da independência, em 1960. Seis anos depois, o país viveu os dois primeiros perpetrados por militares e em 1967, os ibo tentaram, pela via armada, a secessão da região de Biafra, mas, em 1970, acabaram por perder a guerra.
Quando se pensava que o país ia viver momentos de paz e de reconciliação, houve, em 1975, o golpe de Estado liderado pelo brigadeiro Murtala Ramat Mohammed.
Um ano depois, outro levantamento armado, durante o qual foi morto o Presidente, levou ao poder o general Olusengun Obansanjo. Em 1979, Alhaji Shehu Shagari foi eleito Chefe de Estado e reeleito em 1983, mas pouco mais do um ano depois este segundo mandato foi interrompido por novo golpe militar, que colocou no poder o major general, Muhammudu Buhari que, dois anos volvidos, foi derrubado por um companheiro de armas, com a mesma patente, Ibrahim Babangida.
Ibrahim Babangida, pelo discurso que usava, fez nascer algumas esperanças sobre a possibilidade do retorno do país a um governo civil, chegando mesmo, em 1989, a legalizar os partidos político e realizar eleições autárquicas e para a Assembleia Nacional. Em 1990, houve uma tentativa de golpe de Estado, que foi rapidamente repelida pelas Forças Armadas.
Babangida marcou, então, eleições presidenciais para 1993. O escrutínio foi bastante criticado pela oposição e um dos candidatos, Moshood Abiola, proclamou a vitória. O plçeito acabou por ser anulado pelo Conselho Nacional de Defesa e Segurança, mas o Presidente não resistiu aos protestos e abdicou, sendo substituído por Ernest A. Oladeinde Shonekan, empresário e advogado que só conseguiu manter-se no lugar por três meses. Em Novembro de 1993, seguiu o exemplo de antecessor e abdicou.
Na sequência da demissão, o general Sani Abacha proclamou-se Presidente da República Federativa da Nigéria.
Também ele optou pelo discurso da abertura, mas acabou por dissolver as duas Câmaras e instalar um regime próprio. Em 1998, faleceu e ainda hoje estão por esclarecer as causas da morte. Foi substituído pelo também general Abdulsalami Abubakar que marcou eleições para um ano mais tarde, que foram ganhas, em 27 de Maio, por outro general, Olusengun Obansanjo, que liderara um golpe de Estado em 1976 e exercido o poder até cerca de três anos depois.
Obasanjo foi reeleito em 2003, mas em Abril de 2007, os nigerianos elegeram Umaru Yar’Adua Presidente da República, que só esteve à frente do país três anos, acabando por falecer na sequência de doença prolongada. Foi substituído por Goodluck Jonathan, confirmado no cargo em eleições realizadas em 2011.
A normalização do poder político fez emergir outro problema mais grave: a divisão entre muçulmanos e cristãos. O Sul do país é habitado por uma maioria cristã e o norte por islâmicos. A coabitação entre estes dois grupos religiosos não tem sido das melhores.
Desde a eleição do Presidente Goodluck, o país tem sido alvo de vários ataques, principalmente do grupo radical “Boko Haram” (educação não islâmica é pecado) que têm causado vários mortos.
Na Nigéria assiste-se à teoria do “choque de civilizações”, cujas vítimas, de um lado e do outro, são escolhidas pelo credo religioso. O próprio Presidente da República, que é cristão e originário do sul, disse estar frustrado por haver elementos do Senado e do próprio governo que apoiam e dão cobertura aos grupos radicais islâmicos.
A Nigéria é o país mais populoso de continente, dos maiores exportadores de petróleo e grande potência da África Ocidental, que, curiosamente, tem dado grandes contributos para a paz na região sob sua influência, chegando a liderar intervenções da CEDEAO na Libéria e na Serra Leoa, mas agora essa liderança está, cada vez mais, em causa. Tudo pela intolerância religiosa que continua a vitimar centenas de pessoas.

FONTE: Jornal de Angola em 31/01/2012

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