Momento histórico é para ser dividido sempre!

Por Jaime Sodré
É  inegável a aliança com os de “Boa Vontade”, não importando as matizes, Pastor Djalma Torres, Pastor Sargento Carneiro e Sargento Espírito, dentre outros, entram para a historia no bloco dos que sabem viver a “Unidiversidade”.
Esses abençoados são articuladores do “banimento da postura caracterizada pela intolerância”. Enquanto alguns jogam pedras nas “árvores do pomar”, exercendo a ignorância, outros contemplam os diversos sabores, sabendo que a beleza está no contraste.
Permita-me competente jornalista Cleidiana Ramos, excelência em pessoa, utilizar deste espaço para colocar a disposição de todos os documentos que seguem, destacando o seu marco histórico.
Jaime Sodré é historiador, professor universitário e religioso do candomblé
NÚCLEO DE ESTUDO DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E INDÍGENA – NEAFRO
Leitura alusiva ao NEAFRO
Nilson Conceição do Espírito Santo – 3º Sgt EB
O NEAFRO nasceu da inquietação dos militares e servidores civis, fiéis de religiões afro-indígenas brasileiras, do Quartel General e da Companhia de Comando da 6ª Região Militar, em consequência dos mesmos não terem a mesma liberdade de realizar seus cultos ou expressarem sua espiritualidade nas ocasiões das atividades religiosas oficiais.
A legislação do Exército que rege atualmente as atividades religiosas, somente contemplam as práticas ou celebrações cultuais para os públicos católico, evangélico e espírita. Após alguns questionamentos feitos aos comandantes militares locais sobre a possibilidade de se autorizar a contemplação de outras expressões, a exemplo do Candomblé e da Umbanda, nas atividades religiosas oficiais da Força, sempre enfrentou-se a resistência de dois argumentos: o primeiro era que as portarias ministeriais e internas do Exército não regulavam outras atividades além da católica, evangélica e espírita; o segundo argumento era que o quantitativo de fiéis de matriz africana e indígena, registrados nos censos religiosos do Departamento Geral de Pessoal do Exército seria quase nulo.
Diante de tais recusas, aproveitou-se da ocasião da visita do Arcebispo Militar do Brasil (autoridade religiosa católica vinculada ao Ministério da Defesa, no comando do Ordinariado Militar), Dom Osvino Both, acorrida em 2010, para perseverar nos questionamentos anteriormente realizados, sendo que, daquela vez, foi lida neste mesmo auditório que nos encontramos hoje, em alto e bom tom para todos os presentes na ocasião, incluindo o genenal-comandante e outros comandantes da Organizações Militares (EB) da Guarnição de Salvador, da época, o inciso VI, do Art. 5º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, referente aos Direitos Individuais e Coletivos, dentro Dos Direitos e Garantias Fundamentais, os quais são “cláusulas pétreas” (cláusulas que não podem ser modificadas), a seguinte prescrição: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e liturgia”.
Logo em seguida, foi solicitado à referida autoridade eclesiástica, representante do Ministério da Defesa, que fosse providenciado um novo censo religioso para a 6ª Região Militar, com a finalidade de levantar o quantitativo e o percentual de declarantes de religiões de matriz afro-indígenas, alegando-se ainda, que a não inserção de tais religiões nas atividades oficiais religiosas, feria preceitos e garantias constitucionais, os quais não poderiam ser contrariados por legislações subalternas, a exemplo das portarias ministeriais.
Dois meses após da visita do Arcebispo Militar, chega a ordem para a realização de um novo censo religioso em todo o Exército, o qual, no âmbito da 6ª Região Militar, foi prontamente realizado, consolidado e remetido à Brasília. É importante destacar que o resultado do aludido censo religioso, constituiu-se de importante subsídio para a reiteração da solicitação que anteriormente havia sido negada, sendo que naquele segundo momento, fora emitida ordem do Sr Comandante da 6ª Região Militar, o então General de Divisão João Francisco Ferreira, determinando que a Capelania Militar incluísse em suas atividades, as religiões de matriz africana e indígena (Candomblé e Umbanda).
Dentro deste contexto, visando planejar, organizar e executar as reuniões afro-indígenas que vêm ocorrendo todas as primeiras quintas-feiras de cada mês, foi organizado o Núcleo de Religiões de Matriz Africana e Indígena (NEAFRO), inspirado no Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar da Bahia (NAFRO/PM-BA), com a essencial ajuda e suporte de dois grandes guerreiros, o Tata Eurico de Obaluaê, Coordenador do NAFRO e sacerdote do Terreiro Aloyá em Itapuã, e ainda, o Pai Raimundo de Xangô, sacerdote do Centro Umbandista Paz e Justiça, que não mediram esforços para garantir a consolidação da conquista recente. Tais companheiros de caminhada estiveram e continuam participando ativa e prontamente de todas as etapas do NEAFRO, o qual ainda engatinha e tenta ficar sentado, como um bebê que se desenvolve com o passar dos dias.
Em abril de 2011, veio mais uma conquista, quando planejamos, organizamos e executamos, pela primeira vez, a participação do NEAFRO nas atividades religiosas oficiais alusivas às comemorações da Semana do Exército, o que aconteceu na Escola de Formação Complementar do Exército, no bairro da Pituba.
É importante lembrar que as coisas não têm sido fáceis para que as reuniões aconteçam, pois muitos obstáculos ainda são colocados na trajetória de quem organiza, impossibilitando às vezes, que reuniões como essas aconteçam, obstáculos tais, que não fazem parte da realidade dos militares espíritas, menos dos evangélicos e muito menos dos católicos. Mas, felizmente soube-se contornar com sabedoria tais óbices.
E hoje, de volta a este auditório, onde tudo começou, desfrutamos dos resultados de uma série de batalhas, que foram vencidas, mesmo parcialmente, para participamos da Páscoa dos Militares de 2011, o que só foi autorizado, no âmbito do Exército Brasileiro, no último dia 28 de junho, o que gerou uma corrida contra o tempo, sem recursos, com algumas dificuldades de atendimento das necessidades de material e pessoal. Mas, com muito trabalho e força de vontade, oferecemos hoje esta singela amostra da força do Axé.
Um exemplo das dificuldades pode ser observado no cartaz oficial da Páscoa dos Militares, onde não consta a reunião de matriz africana e indígena, sem contar que no âmbito das outras forças (Marinha e Aeronáutica) continua apenas a trina contemplação de católicos, evangélicos e espíritas. Por este motivo, torna-se dever de justiça enaltecer a postura do atual Comandante da 6ª Região Militar, General de Divisão Gonçalves Dias por vir propiciando e incluindo a participação dos cultos de matriz afro-indígenas em todas as atividades religiosas da 6ª Região Militar.
Conclui-se então, que o NEAFRO encontra-se apenas, no início de sua trajetória, pois quem passou por séculos de escravidão e genocídio (africanos e indígenas) e sobreviveram vigorosamente lutando por dignidade até os dias de hoje, jamais serão vencidos.
E é neste contexto de luta pelos direitos à vida, ao respeito e, à dignidade humana que o NEAFRO dedica este momento a todos que, em suas veias correm o sangue negro e o sangue indígena, ou seja, a todos os brasileiros que carregam consigo a contribuição de nossos ancestrais, africanos ou indígenas, que construíram com o próprio sangue o país que hoje chamamos Brasil.
Salvador, 08 de julho de 2011.
Axé, Bahia, Brasil!
NÚCLEO DE ESTUDO DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E INDÍGENA – NEAFRO
TEXTO DE ABERTURA DA REUNIÃO DE 08 DE JULHO DE 2011 (PÁSCOA DOS MILITARES)
Esta reunião faz parte da Páscoa dos Militares, mas o que é a Páscoa dos Militares? É uma atividade de caráter religiosa realizada no âmbito da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, das Polícias Militares e das Corporações de Bombeiros, que acontece em todo o território nacional uma vez por ano.
A Páscoa, propriamente dita, enquanto festa religiosa, tem origem judaica sendo, posteriormente, ressignificada pelo cristianismo, não havendo relação sagrado-religiosa com as religiões de matriz africana e indígena. Este era o principal argumento, para não se promover, a participação de outras expressões religiosas como o Candomblé e a Umbanda nessa atividade religiosa.
Mas a partir de hoje, neste exato momento, todos nós, presentes neste auditório, estamos atribuindo um significado afro-indígena-brasileiro à essa atividade: o significado do respeito, da valorização, do reconhecimento e da sacralidade do sentimento religioso, daqueles e daquelas que até há pouco tempo eram impedidos de expressar a sua fé nas atividades religiosas oficiais das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corporações de Bombeiros, como ainda acontece na maioria dos estados federados do Brasil.
Até o ano de 2010, na Páscoa dos Militares, somente eram realizados, missas, cultos evangélicos e reuniões espíritas, nas referidas forças ou corporações, não havendo abertura para a participação de outros segmentos religiosos, nem na Páscoa, nem nas demais atividades religiosas dos quartéis, com a exceção das Polícias Militares de alguns Estados, entre estes, a Bahia, através do Núcleo das Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar da Bahia (NAFRO/PM-BA).
Mas esta situação está mudando. Todos nós neste auditório estamos sendo protagonistas de um fato histórico, pois damos início, aqui e agora, na inserção dos cultos afro-indígenas, nas atividades oficiais da Páscoa dos Militares, no âmbito do Exército Brasileiro através de um evento não só “religioso”, mas também, “político” e “jurídico”, no sentido de ser derrubada mais uma barreira do preconceito e do não-reconhecimento da herança africana e indígena da população e da cultura brasileira, que se expressa através do sentimento religioso de cada um de nós. Axé!
Salvador, 08 de julho de 2011
Fernando Jorge Carneiro – 1º Sgt EB

FONTE: Blog Mundo Afro em 12/07/2011

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