Babalorixá que teve casa incendiada lamenta intolerância religiosa


Por Victor Siqueira

Depois de ter sua casa incendiada, o babalorixá Thiago do Nascimento tenta se reestruturar. Populares atearam fogo em sua residência, acreditando no seu envolvimento com o sumiço do menino Ruan, que posteriormente foi encontrado morto em uma área de mangue do bairro Soledade, na zona norte da capital.

Na ocasião, o desaparecimento da criança foi associado à magia negra. No entanto, pai Thiago pertence ao candomblé, uma das principais religiões de matriz africana do Brasil. Posteriormente, ficou provado que a morte de Ruan foi apenas um acidente, mas Thiago continua com os prejuízos da ação de alguns moradores da região.

Além do aspecto acusatório, ele encara o fato como mais um caso de racismo e reflexo do fundamentalismo de parte da região. “O nome disso é ignorância. As pessoas precisam colocar na cabeça que o candomblé não faz mal a ninguém. Foi maldade, racismo. Destruíram minhas coisas, eu tenho uma pessoa de 78 anos que depende de mim, que é minha mãe. Isso é coisa de pessoas de igrejas fundamentalistas, que nos atacam. Não trabalho com magia negra, não é da minha tradição. Meus rituais são de muita reza, religiosidade, de transmitir amor e coisas boas”.

O caso aconteceu no dia 11 de outubro. Na porta da casa de Thiago, uma cena medieval: pessoas com fogo, facas, foices e até picaretas, para destruir a casa e o terreiro. Àquela hora, somente sua mãe estava em casa. Ela foi arrastada para fora de casa e testemunhou a sua casa ser incendiada.

Foram diversos materiais do cabeleireiro danificados: televisão nova, um salão de beleza completo, aparelho de som, sofá, documentos do axé, remédios e fraldas, bicicleta, instalações elétricas e alimentos. Indignados com a ação, alguns vizinhos prestaram socorro e conseguiram conter o fogo. O fato de não estar em casa durante o ocorrido foi considerado uma ação dos orixás por Thiago, que teme o que poderia ter acontecido. “É um prejuízo que nem tenho como calcular. Se eu estivesse em casa, nem estaria dando essa entrevista. Estou sem uma ferramenta sequer para trabalhar. Tudo queimado, tudo ao pó. Consegui só dar uma repaginada na casa porque ganhei uma tinta”, lamentou.

O pejigan Erivan de Assis, coordenador do Fórum Estadual das Religiões de Matriz Africana contou que a perseguição não é inédita. “A sociedade promove discriminação e violência. É mais um caso em Sergipe, é racismo religioso, intolerância. Um terreiro foi atacado no seu sagrado, o pai Thiago acusado de magia negra. A religião de matriz africana tem ligação direta com a natureza, a gente trabalha com terra, água, fogo e ar. Não cultuamos demônios, tampouco fazemos sacrifício humano. É preciso conhecer, tirar o racismo de dentro de si”, pediu.

Investigações

A delegada encarregada de identificar criminalmente os envolvidos é Meire Mansuet, do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV). Ela contou que a autoria ainda não tem como ser apontada, mas o inquérito prossegue com novas ouvidas em breve. A família da criança deve ser convocada para prestar depoimento.

Caso Ruan

O menino Ruan desapareceu no dia 10 de outubro, nas proximidades de um mangue da região do bairro Soledade. Ele estava na companhia de um colega de 13 anos. A versão inicial do adolescente é que dois homens os raptaram, mas que ele conseguiu fugir. Posteriormente, o jovem mudou o depoimento, confessando que Ruan caiu já desacordado de uma árvore, e que mentiu por medo de represálias da família e dos vizinhos.

FONTE: Infonet em 24/10/2018

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