Religiões afro-descendentes querem representantes dos terreiros nas casas legislativas

O ambiente abandonado, repleto de verde em suas ruínas, agrada aos orixás, que recebem do cachimbo as primeiras fumaças de uma conversa no fim de tarde. O encontro marcado no Nascedouro de Peixinhos, antigo matadouro do bairro periférico de Olinda, tem um motivo: o terreiro é um lugar sagrado e muitas vezes não compatível com determinadas atividades, como entrevistas. O sacerdote e juremeiro Alexandre L'Omi L'Odò tem pressa. Quer fazer justiça a uma ausência que vem desde os tempos do Brasil Colônia (1500-1808): a participação de pessoas ligadas a cultos afro-brasileiros na política. A decisão do juremeiro, que será candidato a vereador em Olinda pelo PHS, junta-se a de tantos outros no estado do mesmo segmento. Essas candidaturas começam a ganhar espaço como contraponto à bancada evangélica que cresce a cada eleição nas casas legislativas pelo país e à intolerância religiosa.

Vaidoso, Alexandre não revela a idade, mas quando o assunto é política, o discurso é bem afinado. Nascido na própria localidade de Peixinhos, tem formação em história e faz mestrado em ciências da religião na Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). Uma de suas propostas é defender questões que já estão na Constituição Federal de 1988, ou seja, em vigor, mas não em prática.

“Caso seja vereador de Olinda, vou propor a retirada do crucifixo do plenário da Câmara (Municipal) e a retirada de quadros de pseudo-heróis que atentaram contra o povo negro”, diz, ao se referir ao quadro de Bernardo Vieira de Melo, conhecido como carrasco do líder dos escravos Zumbi dos Palmares. O Dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro em homenageia ao quilombola, morto nessa data em 1695.

“Não vou pregar a intolerância, mas defender uma educação plural, sem o ponto de vista tradicional do cristão branco conservador. Pretendo dar protagonismo aos negros na nossa história e fomentar esse debate da pluralidade”, argumentou.

Assim como Alexandre, Edson do Axé, 48 anos, é candomblecista e será candidato a vereador, mas no município do Recife. Seu partido é o PT. “Independentemente de qualquer eleição, nós já fazemos palestras em bairros e RPAs da capital, além de faculdades. A grande questão é o racismo, pois tanto o Candomblé quanto a Umbanda são religiões de raízes negras”, argumenta Edson do Axé, que é estudante de direito e formado em gestão de pessoas.

Já o artista popular de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, Serginho da Burra, que também será candidato pelo PT no município, adota o discurso de “contra-corrente”. Serginho, que é historiador, diz que muitos dos ataques sofridos em terreiros recentemente são provenientes de grupos evangélicos neopentecostais.
“Esse grupo se organizou na política e quer que as pessoas sigam a doutrina deles. Está na hora de nosso povo se politizar. Quem sabe no futuro teremos um partido próprio?”, planeja o pré-candidato a vereador em Goiana.

Saiba mais
O baixo índice de representatividade dos que se declaram pertencentes aos cultos afro-brasileiros na política ocorre por preconceitos criados historicamente no país desde os tempos da colonização portuguesa

No senso comum, esses cultos são associados ao mal, à bruxaria, e o fato de ter entre praticantes grupos sociais (negros e índios) que foram escravizados e que se encontram em situação econômica inferior agrava a aceitação

Umbanda é uma religião eminentemente brasileira, com doutrina própria. Não é a única, pois existem outras, como o Vale do Amanhecer, Santo Daime e Igreja Universal do Reino de Deus

A Umbanda foi criada em 15 de novembro de 1908, na então capital do Brasil, Rio de Janeiro, por Zélio de Moraes, que chegou a ser eleito vereador de São Gonçalo, em 1924, mas que abandonou a política em 1929

A Umbanda, nos anos 1930, se consolida com prenúncios da “identidade brasileira”, construída na Era Vargas, com os prenúncios da democracia racial, defendida nacionalmente pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre

Os orixás da Umbanda passam por um processo de “embranquecimento”. É nesse momento que surgem representações de Yemanjás brancas e o sincretismo com santos da Igreja Católica, também brancos, como Jesus na figura de Oxalá

Já o Candomblé é, desde sua formação, de povos afrobrasileiros (negros), e por isso é mais excluída. É fruto de uma junção de práticas religiosas de várias nações africanas, como Jeje, Angola, Banto, Nagô e Ketu

Entre as diferenças entre Umbanda e Candomblé está o fato de no Candomblé ser permitido a sacralização de animais por meio de sacrifícios, a definição mais clara de hierarquias e o vestuário branco

Outra religião negra pouco discutida no Brasil é o Islamismo, trazido por escravos negros durante a Colônia (1500-1808) e o Império (1822-1889). Escravos letrados liam os textos originais em árabe e alguns contribuíram com a Revolta dos Malês (1835), em Salvador

Nos anos 1930, no Estado Novo, houve uma perseguição sistemática às religiões afro-indígenas brasileiras. Templos foram invadidos e seus praticantes presos e torturados. Objetos sagrados foram levados e transformados em peças de museu

FONTE
: prof. Dr. Erisvelton Sávio S. de Melo (NEPE-PPGA e LACC-UPE)

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