Curta registra dia a dia do terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá

Por Laura Fernandes

Sentada ao lado de suas irmãs de santo, Mãe Stella de Oxóssi, 90 anos, ri, brinca e canta com muita leveza e tranquilidade. Mais velhas do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, elas estão à vontade em frente às câmeras que estão cuidadosamente dispostas para captar toda a sabedoria que guardam.

Assim como a reunião descontraída, outros momentos cotidianos do tradicional terreiro são registrados e o resultado pode ser visto no documentário Folhas EnCantadas. O curta-metragem ganha exibição gratuita na próxima quinta, às 9h30, no Auditório do PAF III, no campus da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Ondina, evento que terá a presença de Mãe Stella.




Mãe Stella com as irmãs de santo Iyá Kekerê (Mãe Pequena) e Obá Terê (Egbon Gildete) (Foto: Antonello Veneri)

O documentário reúne imagens em movimento com fotografias para apresentar ritos do candomblé, ilustrar mitos, registrar cânticos em iorubá - com tradução em português -, entre outros elementos da cultura afro-brasileira que habitam o terreiro.

“Acredito que o conhecimento de como as coisas funcionam dentro de um terreiro demonstra como é uma coisa organizada e elaborada. A grande ideia é maior respeito e menor intolerância”, ressalta a professora de Letras da Ufba Alessandra Caramori, 51, coautora do filme com o fotógrafo Antonello Veneri e o cinegrafista Stefano Barbi Cinti.

Dicionário 

Folhas EnCantadas foi criado para integrar o projeto Dicionário de Folhas do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que busca transformar o conhecimento das folhas, seus mitos e cânticos em dicionário multimídia.“Ele é pioneiro, porque os dicionários online não aproveitam todos os recursos que a internet oferece”, afirma Alessandra, paulista de família italiana, que produziu o projeto.

O processo começou com a ida de Alessandra ao terreiro para auxiliar o trabalho do livro O Que as Folhas Cantam (Para Quem Canta Folha), de Mãe Stella e Graziela Domini. Lançada em 2014, a obra está na base de tudo já que, a partir dela, a professora teve a ideia de “fazer o que era de papel virar dicionário multimídia”.

O projeto tomou corpo ao ser selecionado pelo Edital Afro-Brasileiro, com o apoio do Ministério da Cultura, da Universidade Federal de Pernambuco e da Capes. “Mas ele tomou vida própria e virou esse documentário sobre o cotidiano do terreiro”, explica Alessandra, sobre o curta de 20 minutos que não exclui o dicionário.

“O que destaco no documentário é a beleza de Mãe Stella com as irmãs dela. Eu, como pessoa, gosto de ver a imagem delas cantando, com leveza e atualidade. É um vídeo caseiro, mas com um profissionalismo muito grande”, elogia Graziela Domini, 53, que além de ser autora do livro-base, é iniciada no candomblé e conhece de perto a realidade do Opô Afonjá.

Preconceito
O passeio pelo terreiro que originou o documentário foi guiado pelo músico senegalês Doudou Rose Thoiume, responsável pela trilha que costura a narrativa de “abordagem bem pouco tradicional, no sentido da montagem”, como define o italiano Antonello Veneri, 41. Ele assina a direção do curta com o também italiano Stefano Barbi Cinti.

“Fomos muito bem acolhidos, foi uma belíssima experiência, um privilégio. Conseguimos gravar belas imagens que fogem do que se é mostrado de um terreiro”, ressalta Antonello, que mora no Brasil há três anos e em 2014 ganhou o prêmio de melhor reportagem da National Geographic Itália, com uma fotorreportagem sobre Salvador.

O fotógrafo destaca que o Doudou Rose Thoiume levou a equipe para conhecer a vasta natureza do Opô Afonjá e teve um “papel muito importante” em mostrar a realidade de um dos mais representativos terreiros de candomblé do estado. “A Bahia que mais me fascina está dentro do terreiro”, conclui Antonello.

No dia 18, quem for assistir Folhas EnCantadas vai ter a oportunidade de conversar com todos os realizadores do documentário. O objetivo é bater um papo sobre o porquê do filme, junto com Mãe Stella de Oxóssi. Membro da Academia de Letras da Bahia, a mãe de santo é conhecida pelo empenho em dialogar terreiro de candomblé e academia.

Sobre esse perfil, Graziela Domini ressalta que “o objetivo de Mãe Stella, com certeza, é a união da humanidade. Tem uma frase que ela diz: ‘A pessoa só tem preconceito com o que não conhece’. Então, quanto mais conhecimento se tem, mais a pessoa percebe a grandeza, a profunidade e a beleza dessa religião”.

FONTE: Jornal Correio em 13/06/2015

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