Intolerância religiosa persegue minorias: entrevista com Romi Bencke


Por Cristina Fontenele / Adital
Imagem:  reprodução

O recente massacre ocorrido na Universidade de Garissa, no Quênia, retoma as discussões sobre a perseguição de grupos extremistas contra cristãos em todo o mundo. O atentado, promovido pela milícia islâmica Al-Shabbab, no último dia 2 de abril, resultou em 147 mortos e 79 feridos. O grupo armado invadiu a universidade e atacou as vítimas de acordo com a religião – estudantes cristãos foram mortos e não cristãos poupados. A intolerância religiosa tem sido responsável por milhares de mortes ao longo da história. Especialistas apontam que o quadro de violência pode se agravar nos próximos anos. Movimentos sociais cobram mais atenção dos governos e da mídia.

Após o ataque no Quênia, o Papa Francisco pediu à comunidade internacional "que não permaneça muda e inerte frente a tais crimes inaceitáveis, que constituem uma preocupante violação aos direitos humanos fundamentais.”. Em declaração, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) fez um chamamento "às autoridades e à comunidade internacional para assegurarem a exigência de responsabilidades penais a quem planejou esse ato inadmissível, e a combater futuros ataques, especialmente aqueles que procuram provocar confrontos e conflitos entre as religiões", disse o reverendo Olav Fykse Tveit, secretário geral da CMI.

O caso da Universidade de Garissa se tornou o pior na história do país desde 1998, quando a Al Qaeda matou 224 pessoas ao explodir caminhões-bomba contra a embaixada dos Estados Unidos no país africano, atingindo também a embaixada da Tanzânia. A Al Shabaab, que teria ligações com a Al Qaeda, já realizou outros ataques no Quênia, como o ocorrido em 2013, quando quatro atiradores invadiram o Shopping Westgate, deixando 67 mortos, entre eles várias crianças. Nas redes sociais, a hashtag #147NotJustANumber está sendo utilizada em memória das vítimas de Garissa.


De acordo com a Classificação 2015 da Perseguição Religiosa, da organização Portas Abertas, os 10 países onde os cristãos enfrentam a maior pressão e violência são: Coreia do Norte, Somália, Iraque, Síria, Afeganistão, Sudão, Irã, Paquistão, Eritreia e Nigéria.

Segundo o estudo "O futuro das religiões no mundo: projeções 2010-2050", realizado pela Pew Research Center, se continuadas as tendência atuais, em 2050, haverá no mundo tantos muçulmanos quanto cristãos e o número de pessoas sem religião diminuirá. Os cristãos, no entanto, continuarão ainda a ser o maior grupo religioso do mundo, segundo a pesquisa. Os dados indicam que o número de muçulmanos no mundo alcançará 2,8 bilhões de pessoas ou 30% da população (1,6 bilhão, em 2010), enquanto que, no mesmo ano, haverá 2,9 bilhões de cristãos ou 31% da população (2,1 bilhões em 2010). Pela primeira vez na história, essa equivalência poderá acontecer.

Mantendo-se as tendências, os hindus serão o terceiro grupo religioso, representando 14,9% (1,3 bilhão de pessoas) da população mundial, enquanto 13,2% (1,2 bilhões) serão pessoas sem religião.

O estudo prevê ainda uma diminuição da percentagem de pessoas sem religião, embora, em alguns países -- como os Estados Unidos e a França –, seja esperado o aumento do número de ateus e agnósticos. Veja aqui a composição da religião por países: 2010 e 2050.

Em entrevista especial à Adital, a secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), Romi Bencke*, analisa o contexto de perseguição aos cristãos no mundo, a possibilidade de diálogo entre as religiões e como se expressa a intolerância religiosa, incluindo o Brasil.

Adital: Atualmente, como está o diálogo entre as religiões cristãs e as não-cristãs no mundo e, em especial, na América Latina?

Romi Bencke: Penso que há clareza por parte das religiões de que o diálogo é o melhor testemunho que elas podem oferecer à sociedade. Todas as religiões têm como prerrogativa serem protagonistas da paz. Apesar dessa compreensão, é necessário reconhecer que o movimento inter-religioso, assim como o movimento ecumênico, são caminhos que ocorrem à margem das diferentes religiões. São mais iniciativas de pessoas do que iniciativas institucionais. É evidente que ocorrem encontros inter-religiosos entre grandes lideranças religiosas, mas a pergunta é: como são trabalhadas as deliberações desses encontros no âmbito interno de cada uma dessas religiões.

No contexto em que vivemos, assumir o diálogo entre religiões como princípio é fundamental. A máxima de que não haverá paz entre as nações se não houver paz entre as religiões mais do que nunca se torna um desafio real e concreto. Abdicar dos exclusivismos presentes nas religiões é um dos grandes desafios colocados pelo contexto histórico em que vivemos. Repensar a forma da ação missionária é outro desafio. Assumir e praticar que não há uma única verdade é um exercício constante.

Na América Latina, temos muitas experiências positivas de diálogo inter-religioso. Creio que está na lembrança de muitos quando, por ocasião do assassinato de Wladimir Herzog [jornalista brasileiro assassinado pela ditadura militar], no ano de 1975, ocorreu um ato inter-religioso, reunindo lideranças cristãs e judaicas. A luta pela democracia na América Latina teve e todavia tem forte presença dos movimentos ecumênico e inter-religioso.

Mais recentemente, no Brasil, podem ser citadas a postura e as atitudes concretas dos movimentos ecumênico e inter-religioso na perseguição às religiões de matriz africana. As marchas contra a intolerância religiosa são um exemplo concreto disso. Somam-se a isso os muitos movimentos formados por cristãos e cristãs, que fortalecem as lutas dos povos indígenas, em especial, aquelas relacionadas ao reconhecimento dos territórios dessas populações. A solidariedade e o compromisso incondicional desses grupos são premissas do movimento inter-religioso e precisam ser o alicerce do diálogo.

Adital: Como se expressa, hoje, a intolerância religiosa dirigida ao Cristianismo? Como isso ocorre no Brasil e na América Latina?

RB: A intolerância religiosa nunca é um fato isolado. Ela sempre vem acompanhada de múltiplos fatores e variáveis. É necessário olhar a intolerância religiosa a partir dos contextos geopolíticos. A pergunta é: a quem interessam os conflitos religiosos? Quais são as motivações que estão na base desses conflitos? Uma análise mais acurada dos fatos, geralmente, nos indica que junto com o conflito religioso estão também conflitos econômicos, sociais, políticos, etc. A religião é uma das faces de um fenômeno que é complexo. Por isso, creio que temos que tomar cuidado ao dizer que há uma intolerância religiosa dirigida aos cristãos. O que vemos, na verdade, é intolerância religiosa dirigida às minorias religiosas. Em alguns países, essas minorias são sim cristãs, mas, em outros países, são outras expressões religiosas.


No caso do Brasil, não vejo uma intolerância dirigida a cristãos e cristãs. Aqui, somos maioria e as intolerâncias, geralmente, são contra minorias. A intolerância religiosa no Brasil é contra praticantes de religiões de matriz africana e indígena. Estes são os perseguidos. Lamentavelmente, o Cristianismo é que tem apresentado sua face intolerante. A perseguição aos praticantes de religiões de matriz africana e indígena é justificada ou legitimada com textos bíblicos e praticada por fiéis cristãos, que, em muitos casos, são incentivados por líderes de suas igrejas. Os textos bíblicos são abstraídos de seu contexto e usados de forma absolutamente distorcida.

Há casos também de depredações de templos, em especial, católicos romanos, como quebra de santos e outros símbolos sagrados. Mas, surpreendentemente, inclusive, esta forma de violência é praticada por cristãos e cristãs. No Brasil, nosso caso é de intolerância intracristã.

Além disso, não podemos fechar os olhos para as violências com argumentos religiosos, geralmente cristãos, praticadas contra a população LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais] e mulheres. Este é o outro lado da intolerância religiosa. Isso expressa a dificuldade dos extremismos religiosos em conviverem com a pluralidade, com as diferentes individualidades e liberdades características da sociedade moderna.

Causou-me certo desconforto, no contexto do atentado contra o jornal satírico Charlie Hebdo [em Paris, França, em janeiro deste ano], quando muitos, também aqui no Brasil, começaram a relativizar a gravidade do atentado com o argumento de que religião não poderia ser conteúdo de sátira, pois isso, poderia significar desrespeito às expressões de fé. Sem entrar no mérito se tais sátiras eram ou não legítimas, a questão a ser colocada é se as religiões podem ser consideradas acima do bem e do mal. Religiões, quando cometem excessos, precisam passar pela crítica. Isso é salutar para as religiões e para a sociedade.

No contexto brasileiro, precisamos, urgentemente, rever e fazer a autocrítica do Cristianismo. Sou cristã e cada ataque que é feito a um centro de Umbanda, Candomblé, a um espaço sagrado indígena, a um pai ou mãe de santo, mulher, LGBT, com argumento religioso, significa um ataque à minha própria fé. Isso porque, o Jesus em que acredito e em nome do qual fui batizada não era agressivo. Ao contrário, era um Jesus que criticava os excessos religiosos e políticos da sua época. Por isso morreu na cruz. Se ele tivesse sido conivente com os excessos de poderes de seu tempo, provavelmente não teria sido condenado à morte. Precisamos olhar com criticidade e incômodo para todas as agressões praticadas contra as minorias brasileiras, em nome de Jesus. Queremos um Brasil cristão intolerante? E a face intolerante do Cristianismo não está apenas na Igreja "X” ou "Y”. Ela está diluída em todas as igrejas.

Adital: Representantes de quais religiões têm protagonizado perseguições aos cristãos? Como se dão essas perseguições?

RB: Não há apenas uma religião que persegue cristãos e cristãs. Por isso digo que a perseguição por motivos religiosos precisa ser analisada a partir de questões de geopolítica e de disputa de poder econômico. Na Índia, por exemplo, há cristãos e cristãs sendo perseguidos por grupos extremistas do hinduísmo, no Oriente Médio, são os extremistas do Estado Islâmico. Agora, não se pode caracterizar nem o Hinduísmo e nem o Islã como religiões anticristãs. Porque ambas têm, em suas raízes, a promoção da paz e do diálogo. Toda a violência praticada em nome de uma religião especifica é uma distorção da religião.

Importante dizer que as perseguições são sempre contra minorias. Há também a perseguição contra as mulheres. Lembro das 276 meninas que foram sequestradas na Nigéria, das quais aproximadamente 50 conseguiram escapar. No entanto, das outras ainda não se tem notícias. O argumento dos sequestradores é que elas estariam se prostituindo ao frequentarem a escola. Para os sequestradores, a educação ocidental é um problema. Sabe-se que, na raiz desses conflitos, está um conjunto grande de inseguranças e incertezas, provocadas pelo jogo de interesse que os países economicamente desenvolvidos têm naquelas regiões. Alguns falam em fanatização das massas e perseguição às minorias étnicas. O que gera essa fanatização? A instabilidade econômica, política, a ausência do Estado, muitos dos lugares onde os grupos extremistas se mobilizam são regiões de muita desigualdade econômica, a ruptura com as raízes locais, entre outros.

Adital: Percebemos que, ao longo da história, houve diversos períodos de profunda intolerância religiosa, a exemplo da Inquisição dentro do catolicismo. Como situamos, historicamente, as atuais perseguições?

RB: Talvez uma das características que mais chama a atenção nos casos de intolerância religiosa de hoje é que os grupos intolerantes são antimodernos, mas se utilizam de recursos modernos para levarem as suas ideias adiante ou tornarem pública suas ações. É o caso, por exemplo, das ações do Estado Islâmico. Sempre que há o fuzilamento de um grupo de cristãos, a imagem é jogada na Internet. No Brasil, é a mesma coisa, os discursos intolerantes de líderes religiosos cristãos sempre são colocados na rede. Há uma espécie de espetacularização da barbárie. Estes grupos também não têm objetivos claros. O que querem? Ocupar um território? Ocupar o poder? Mudar o equilíbrio das forças políticas? Conflito armado para que? Parece-me, muitas vezes, que o que o que orienta é o impacto midiático das ações. A destruição dos símbolos religiosos e dos espaços arqueológicos, por exemplo, serão assuntos da grande mídia.

Em pleno século XXI, temos situações e experiências típicas de séculos bem anteriores. Que sociedade produzimos? Nosso intento civilizatório pode ser considerado frustrado? Esses extremismos não são fatos isolados. Estão no Oriente Médio, mas também estão na Europa, com o fortalecimento dos movimentos de extrema direita.

A Guerra Fria, pelo visto, continua com toda a sua estrutura montada. A queda do Muro de Berlim, a derrocada da União Soviética, dizem, contribuíram para a superação das divisões. Será? Parece-me que as potências imperialistas estão todas bem ativas. A religião tem sido um instrumento bom para a difusão do discurso do bem contra o mal. Se antes os inimigos eram comunistas, hoje, continuam sendo os comunistas e mais todas as demais minorias, dependendo da região em que se está vivendo.

Adital: Há registros de que missionários cristãos também sejam vítimas de agressão?

RB: Sim, existem registros. No ano passado, tive a oportunidade de participar de um encontro entre os Conselhos de Igrejas da África. Os irmãos do Congo e da Nigéria compartilharam as tensões e perseguições vividas. No contexto do conflito de Gaza, no ano passado, recebemos um apelo da Rede de Voluntários do Programa Ecumênico de Acompanhamento na Palestina e Israel, ligado ao Conselho Mundial de Igrejas, do risco iminente de bombardeio de uma Igreja Católica. O aviso havia sido dado pelo próprio Exército de Israel. A igreja atendia a crianças, deficientes e idosos. Havia dificuldade para evacuar essas pessoas, por isso, o padre, responsável pela Igreja, lançou um pedido de socorro a organizações do mundo todo que intercedessem para que a Igreja não fosse bombardeada. Realizou-se uma ação mundial apelando para que a Igreja fosse preservada. No CONIC, enviamos o apelo para que o governo brasileiro interviesse. A Igreja foi bombardeada, mas, felizmente, ninguém ficou ferido. Na Síria, padres e bispos ortodoxos foram sequestrados. Estes são alguns exemplos.

Adital: Existe diálogo entre as próprias religiões cristãs para debater o assunto?

RB: Sim, o Conselho Mundial de Igrejas tem acompanhado de perto esses conflitos. Muitas das igrejas que sofrem perseguição são membros do Conselho. O próprio Papa Francisco tem feito muitos apelos em favor dos cristãos perseguidos. O ideal seria juntar essas vozes que, muitas vezes, agem isoladamente. Por isso o movimento ecumênico é tão fundamental. Ele não é a ação isolada de um único grupo, mas expressa um coletivo. São muitas vozes e a motivação é, justamente, para que as religiões não sejam promotoras de guerra, mas de paz.

O CONIC, em sua XVI Assembleia, ocorrida entre os dias 09 e 11 de abril, aprovou uma moção de solidariedade às minorias religiosas perseguidas nos diferentes países. No texto, condenamos o uso da religião como justificativa para o etnocídio, genocídio ou qualquer forma de dominação, exploração e morte. Também exigimos que os governos e organismos internacionais repudiem esse tipo de ação, dando amparo e refúgio às pessoas envolvidas. Ao governo brasileiro pedimos que fortaleça as gestões diplomáticas, que garantam os tratados internacionais assinados pelo Brasil. E às igrejas e pessoas de boa vontade conclamamos à oração, pedindo serenidade, força, paciência, ânimo, firmeza, coragem, sabedoria e esperança, especialmente, para as pessoas que vivem esse imenso sofrimento e dor. Também oramos pelas pessoas que praticam a perseguição, no sentido de se reencontrarem com sua humanidade e aceitarem o caminho da paz.

Adital: Como você avalia a contribuição do Papa Francisco para avançar nessa questão?

RB: O Papa Francisco tem sido um arauto da paz. Tem sido muito relevante a sua postura. Agora, como disse anteriormente, é importante unir vozes. Fortalecer os demais grupos que andam nesse caminho de promoção e fortalecimento do diálogo. O contexto é complexo. Nos tempos atuais, torna-se necessário a ação em rede. As ações e pressões coletivas são urgentes e podem ser mais eficazes. Esse é um problema de toda a humanidade, por isso, quanto mais lideranças engajadas, maiores serão as possibilidades de semearmos, pelo menos, o bom senso.

Adital: De que maneira os líderes islâmicos atuam nesse contexto? E os líderes cristãos?

RB: Muitos líderes do Islã tem se pronunciado publicamente e de forma bem clara contra as ações desses grupos extremistas. Lembro que, na França, no contexto do atentado, a Organização para a Cooperação Islâmica condenou o ataque, assim como outras organizações islâmicas. Em relação às lideranças cristãs podem ser vistas posturas semelhantes. Cito como exemplo as posições contrárias de lideranças cristãs aos ataques às pessoas do Candomblé e da Umbanda. A abertura para rever, no caso do Cristianismo, determinadas compreensões, que são excludentes e tendem a condenar ao invés de ter compaixão, é outro passo relevante. A religião precisa estar sempre em diálogo com o mundo. Um dos papéis da religião é o da preservação da tradição. No entanto, esse papel precisa ser feito em relação com as mudanças sociais e históricas. É necessário sempre uma ponte de diálogo. Se parte do Cristianismo não tivesse se aberto ao diálogo com a modernidade não teríamos, por exemplo, a experiência tão salutar de mulheres ordenadas, como é o caso em muitas Igrejas protestantes.

Adital: Essa realidade de diálogo se concentra mais em quais partes do mundo? Por quê?

RB: A realidade da experiência do diálogo está presente em muitas partes do mundo. Na Palestina, por exemplo, há experiências lindas de cooperação entre palestinos e judeus pelo fim do conflito na região. Muitos judeus são favoráveis ao reconhecimento do Estado Palestino e lutam por isso. A realidade de intolerância, também está espalhada no mundo. Ela é difusa. Claro que, hoje, por causa do grau de atrocidade, são mais visíveis as agressões praticadas por grupos como Estado Islâmico, BokoHaram e outros.

Adital: Que mensagem as doutrinas cristãs trazem hoje sobre perseguição e intolerância religiosa?

RB: A mensagem do Cristianismo é clara. As bem-aventuranças de Mateus 5, em minha opinião, servem como síntese da essência do cristianismo. No ano passado, o CONIC em parceria com as Comissões de Ecumenismo, Missão e Laicato da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] promoveu o Simpósio "Missão e ecumenismo: testemunho cristão em um mundo plural”. Entre os muitos aspectos da ação missionária, abordamos e afirmamos a urgência de separar missão de proselitismo. A fé é de livre escolha. É uma decisão da pessoa definir se quer ou não crer. Se ela opta por crer, ela tem a liberdade de escolher qual mensagem religiosa falará mais para ela. A imposição precisa estar bem distante do agir missionário. A reflexão baseou-se no documento firmado pelo Conselho Mundial de Igrejas, pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e pela Aliança Evangélica Mundial. Esse documento apresenta algumas recomendações para o agir missionário, entre as quais: discernimento nos ministérios de cura, rejeição da violência, respeito a todas as pessoas, garantia de discernimento pessoal e construção de relacionamentos inter-religiosos. Creio que estas recomendações precisam ser assumidas por todos e todas. Este será um passo fundamental.

Adital: Segundo pesquisa "O futuro das religiões no mundo: projeções 2010-2050", realizado pela Pew Research Center, se continuadas as tendência atuais, em 2050 haverá no mundo tantos muçulmanos quanto cristãos e o número de pessoas sem religião diminuirá. Como avalia esse cenário?

RB: O mundo é dinâmico. Essas projeções são importantes, no entanto, é preciso tomar cuidado para não gerarem o acirramento de disputas via mercado religioso. Mais importante do que o número de cristãos ou de muçulmanos ou dos sem religião, é preocupar-nos com o conteúdo da mensagem que será levada. Se o conteúdo das religiões for o do respeito às diferenças, do respeito às pluralidades, separação de religião e Estado, cooperação para a paz, resolução de conflitos, opção pelas minorias, etc., creio que será indiferente qual religião terá o maior número de adeptos. Em Berlim [Alemanha], estão construindo um interessante espaço inter-religioso, fruto de uma ação protagonizada por cristãos, judeus e muçulmanos. Creio nessas experiências, oxalá que se ampliem. Ninguém é dono da mensagem divina. Ela se manifesta de muitas maneiras. E, segundo Jo 14.2, "na casa de meu Pai há muitas moradas”. Há lugar para todos. O importante é o conteúdo da mensagem.

Adital: Deseja acrescentar algo mais?

RB: Sim, chamar a atenção para a Semana de Oração Pela unidade Cristã deste ano, que foi preparada pelo Brasil, via CONIC. O tema da Semana é "Dá-me um pouco de tua água” Jo4.7 O objetivo é, justamente, refletir sobre a diversidade religiosa, cultural, como um valor em si. Nosso lema é a afirmação de que Deus nos sonhou plurais. No sonho de Deus não há espaço para a monocultura, mas para a diversidade. O encontro e o diálogo entre um judeu, Jesus, e uma mulher samaritana é a inspiração dessa certeza de que o diálogo é o primeiro passo para que a diversidade seja o reconhecimento da ação de Deus entre nós e não uma ameaça. A Semana de Oração acontece entre os dias 17 a 24 de maio. Mais informações estão no site do CONIC: www.conic.org.br

* Romi Bencke é secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC),
mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora
e pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

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